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A medicina e a mitologia grega 

16.09.2016 | Acadêmicos, Gerais

Affonso Renato Meira  

A lenda que se encontra nas mais antigas referências na mitologia grega da idade das fábulas, na qual se acha referência à medicina, vai-se revelar com Quíron. 

Foi Quíron quem ensinou os conhecimentos sobre as doenças a Asclépio, citado na mitologia grega como o “deus da medicina”. Quíron, meio homem e meio cavalo, não tinha a natureza selvagem dos outros centauros; era em verdade o mais sábio e o mais justo de todos eles. 

Os centauros eram monstros representados como seres que possuíam cabeça de homem e corpo de cavalo. Os gregos tinham muita admiração pelos cavalos para considerar que a união desses corpos trouxesse qualquer degradação. Isso fez com que o centauro fosse considerado o único dos monstros da mitologia grega a possuir boas qualidades. Os centauros podiam andar na companhia dos homens. 

Quíron foi educado por Apolo e Diana e alcançou renome por seus conhecimentos e habilidades na caça, na música e na medicina, além da arte da profecia. 

Apesar de imortal, considerado em algumas citações como irmão de Zeus, Posseidon e Hades, três dos grandes deuses, Quíron vivia entre os mortais, em uma gruta do monte Pelión, na Tessália. Dedicado à caça em suas andanças, foi se transformando em conhecedor das plantas medicinais, e na aplicação destas acabou conhecedor da cirurgia. Esses conhecimentos médicos ele os transferiu- aos seus contemporâneos e também, citam alguns auto-res, aos mortais. Sua sensibilidade o fazia ter um acentuado pendor musical, além de outros conhecimentos práticos importantes para sua época. Foi amigo de heróis como Peleu e Hérades. Foi educador de muitos heróis, entre eles Aristeu e seu filho Acteon, Aquiles, Jasão e Asclépio. Quíron pode ser considerado o mais antigo professor de mitologia grega. Uma lenda sobre sua morte conta que, atingido acidentalmente por uma flecha envenenada lançado por Héracles, que era seu amigo, formou-se uma ferida incurável e causadora de dores insuportáveis, o que o levou a apelar para seus conhecimentos, mas não o livrou do sofrimento. Renunciou, então, à imortalidade, cedendo-a a Prometeu. Dessa maneira, Quíron pôde morrer e escapar do sofrimento. 

Esse episódio da renúncia à vida de modo a não mais sofrer pode ser referenciado como medida precursora, na mitologia grega, da hoje discutida ortotanásia, ou seja, a morte para evitar o sofrimento. Quíron não desejou alongar a vida, afastando a morte de todas as maneiras, como se caracteriza na ética médica atual no termo de distanásia. Por outra visão, não cabe chamar a morte, por essa razão, de eutanásia, fim da vida sem razão mais bem compreendida. A morte de Quíron aconteceu para que ele não mais vivesse sofrendo. 

Quíron era filho do titã Crono e de Filira, uma das oceânides. Crono uniu-se a Filira na forma de um cavalo, daí a forma híbrida do filho de ambos. Quíron não tinha a natureza selvagem dos outros centauros, filhos de Íxion e da nuvem; ele era, na verdade, o mais sábio e o mais justo dos centauros. Apesar de ser meio-irmão de deuses, vivia entre os mortais, em uma gruta do monte Pelión, na Tessália. Grande caçador, que entendia de música, de plantas medicinais, de cirurgia e de outros conhecimentos práticos prezados pelos antigos, Quíron era amigo dos heróis Peleu, a quem salvou certa vez da fúria dos outros centauros, e de Héracles. Foi o educador de vários outros heróis, entre eles Aristeu e seu filho Acteon, Aquiles, filho de Peleu, Asclépio, filho de Apolo, e Jasão, o futuro líder dos argonautas. 

Consta que Quíron era casado com Caricló, possivelmente uma oceânide. Os principais mitos que o mencionam, além de suas atividades de professor, são o do casamento de Peleu e Tétis, o da visita dos argonautas e o da sua “morte”. Nas representações mais antigas, usualmente na cerâmica do início do século VI em diante, Quíron é representado com pernas humanas e a parte traseira do corpo semelhante à de um cavalo. Posteriormente, tinha aspecto humano apenas do umbigo para cima. Frequentemente, para ressaltar sua natureza civilizada, o artista colocava-lhe roupas, e, para destacar sua competência de caçador, ocasionalmente trazia no ombro uma vara com diversos animais pendurados. Quando Quíron morreu, Júpiter colocou-o no céu entre as estrelas, na forma da constelação de Sagitário. 

Na mitologia grega, com suas lendas e fábulas aprende-se que o cuidado com a saúde precedeu o juramento de Hipócrates. Este dispôs sobre o comportamento dos que cuidavam da saúde, orientando as bases da ética, que chegam à atualidade. Mas, em época anterior, Asclépio, filho de Apolo e Corônis, já havia sido considerado médico e “deus da medicina”. Era nessa mitologia que os gregos buscavam a explicação para o mundo em que viviam. Representa Asclépio o médico que conhecia a ciência, que lhe foi ensinada por Quíron, mas que respeitava a crença como algo transcendental. “Deus-médico ou médico-deus”, une o natural com o sobrenatural, a realidade da ciência com a esperança dos milagres. 

A mitologia romana se decalcou na imagem de Asclépio para ter aquele que representa o que cuidava das doenças. O nome de Asclépio se traduziu na mitologia romana em Esculápio, que empresta o nome ao idioma português, como sinônimo de médico. 

Com a figura de Asclépio se encontra a serpente enrolada no cajado, que é a representação da tradição médica. A serpente, por trocar de pele, representa a renovação, a libertação das doenças, e o cajado constitui o símbolo da autoridade. Asclépio simboliza nos dias atuais a figura do médico com autoridade para combater a doença de acordo com a sua ciência, sem olvidar a existência divina. 

A mais bela donzela em toda a Tessália era Corônis. Apolo apaixonou-se por ela, e dessa paixão o resultado foi a expectativa de um filho. Corônis, porém, enamorou-se de um mortal, Ischys. Apolo, enciumado, decretou a morte da donzela e mandou Ártemis para executá-la. Levada para a pira crematória, Apolo arrancou de seu ventre a criança e a entregou a Quíron. Outra lenda relata que a filha de Flégias deu à luz secretamente e abandonou a criança. Isso ocorreu em Epidaura, no Peloponeso. Uma cabra amamentou a criança e um cão velou pelo seu sono. Um pastor, dono dos dois animais, encontrou a criança que portava um clarão que a circundava. Perdidas no tempo, as lendas e fábulas da mitologia grega mantêm consigo versões diversas dos mesmos mitos. É o que acontece com o nascimento de Asclépio. Outra versão, menos difundida, conta que Asclépio é filho de Arsínoe, tendo, porém, sido criado por Corônis. 

Cuidado por Quíron, cresceu Asclépio recebendo os conhecimentos da medicina, dos quais Quíron era portador. Adquirindo uma grande habilidade na medicina, Asclépio descobriu uma maneira de ressuscitar os mortos, passando a ser considerado o “deus da medicina”. Conta a lenda que Asclépio recebeu sangue da górgona Medusa, figura horrenda e monstruosa que do lado esquerdo tinha sangue violento e venenoso para causar a morte e do direito um sangue muito saudável, para devolver a vida aos mortos. 

Dotado dessas habilidades, usadas com grande maestria, Asclépio tornou-se perigosamente grande. Os deuses temiam que ele revertesse o mundo ao passar os conhecimentos aos mortais. 

Asclépio se casou com Epione, deusa da anestesia, e juntos tiveram os filhos: 

Machaon, cirurgião e Podaleiro ou Podalirio, com o dom do diagnóstico ou da psiquiatria, que foram médicos dos gregos na Guerra de Troia. 

Telésfore, pequeno gênio da convalescência. 

Panaceia, deusa dos medicamentos e das ervas medicinais. Iaso, deusa da cura. 

Áceso, deusa dos cuidados e da enfermagem. 

Aglaea, deusa dos bons fluidos. 

Hígia ou Higeia, deusa da prevenção das doenças. 

Entre seus descendentes, os nomes de duas filhas foram adotados tradicionalmente pelos médicos em suas atividades: Hígia, do qual originou “higiene”, o cuidado com a limpeza, e Panaceia, a formulação de uma mistura exagerada de drogas.

Referências: 

Academia de Medicina de São Paulo. Afinal, quem é Asclépio?. Asclépio: Boletim da Academia de Medicina de São Paulo, n. 1, ano 1, São Paulo, jan./fev. 2010. 

Brandão, J. S. Mitologia grega. Petrópolis: Vozes, 1986. v. 1. 

Bulfinch, Thomas (1796-1867). O livro da mitologia, a idade da fábula. Trad. Luciano Alves Meira. Ilustração Getulio Delphim. São Paulo: Martin Claret, 2013. 

Guimarães R. Dicionário da mitologia grega. São Paulo: Cultrix, 1996. 

Meira, A. R. Código de Ética Médica: comparações e reflexões. São Paulo, 2010. Meira, A. R. Sessenta anos passados: estórias de um médico não especialista. São Paulo: Scortecci, 2016. 

Affonso Renato Meira 

Professor Emérito da Faculdade de Medicina da 

Universidade de São Paulo e Ex-presidente da Academia 

de Medicina de São Paulo