PortugueseEnglishSpanish
Notícias

Contemporâneo : Drogas na Gestão e seus Agravos: Do Feto ao Adulto 

09.05.2017 | Acadêmicos, Gerais

Contemporâneo : Drogas na Gestão e seus Agravos: Do Feto ao Adulto  

Vamos iniciar com considerações sobre os efeitos do álcool na gestação, no feto e no recém-nascido, com consequências para toda a vida. 

Por que devemos estudá-las? Inúmeros e muito fortes são os motivos: 1. O álcool é considerado o agente teratogênico mais comum existente na atualidade e a causa mais frequente de retardo mental; 2. O acometimento do feto e do recém-nascido, conhecido como Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é aproximadamente 100 vezes mais frequente que a fenilcetonúria; 3. É uma entidade totalmente evitável; 4. Uma vez estabelecidas não têm cura e duram por toda a vida. 

O principal problema é que não se conhecem níveis seguros de consumo de álcool durante a gravidez, abaixo dos quais o feto não será afetado. 

O consumo de álcool por uma mulher grávida, cuja frequência varia muito, tem grandes possibilidades de atingir o feto e depende de vários fatores, levando-o a apresentar alterações em diferentes órgãos, bem como desordens de comportamento, que não têm cura, e que são conhecidas como Síndrome Alcoólica Fetal (SAF). De 1 a 3/1000 recém-nascidos vivos podem ser acometidos pela SAF completa, segundo estimativas internacionais. Com base nesses dados estima-se que, anualmente, 119.000 crianças no mundo venham a nascer com SAF. Esses dados, contudo, podem estar subestimados! Mas para cada caso de SAF completa há pelo menos 10 casos da síndrome parcial conhecida pela sigla FASD, de sua denominação em inglês (Fetal Alcohol Spectrum Disorders). Dos bebês que não apresentam a SAF completa, sabe-se que podem ter apenas dificuldades na aprendizagem e alterações no comportamento que somente serão reconhecidas mais tardiamente. Bebês acometidos pela SAF completa têm alterações faciais e também em vários outros órgãos, podendo nascer com peso abaixo do normal e ter retardo mental, clinicamente apresentando microcefalia ao nascimento. Eles têm problemas de aprendizagem (principalmente de matemática), memória, fala, audição, atenção e para a resolução de problemas, que se mostram principalmente na idade escolar e no relacionamento com outras pessoas. 

Mulheres que consomem álcool e têm vida sexual ativa, não utilizando métodos anticoncepcionais, se engravidarem podem expor o feto ao álcool, antes mesmo de saberem que estão grávidas. Porém, nunca é tarde para parar. O quanto antes pararem de beber melhor para a gestante e para o bebê. Recentemente, uma interessantíssima ação realizada pela Universidade do Alasca, implicou na colocação de testes de gravidez para serem usados gratuitamente, em banheiros de bares e restaurantes com os seguintes dizeres nas embalagens “FAÇA UM TESTE DE GRAVIDEZ ANTES DE BEBER ESTA NOITE E SE DER POSITIVO, NÃO BEBA”. Apesar de inusitado é uma forma de prevenção da SAF, porque metade das mulheres não sabe que está grávida até a 8a semana de gestação! 

A SAF/FASD não tem cura, mas pode ser 100% prevenida se a mulher não consumir bebidas alcoólicas se pretender engravidar ou enquanto estiver grávida. 

Publicação recente do Comitê sobre Abuso de Drogas da Academia Americana de Pediatria na revista Pediatrics (Williams JF, Smith VC; Committee on Substance Abuse. Fetal Alcohol Spectrum Disorders. Pediatrics. 2015; 136 (5): e 1395-406) reitera importantes recomendações sobre o abuso de álcool na gravidez. Reafirma o comitê que a exposição pré-natal ao álcool pode lesar o feto em desenvolvimento e é a principal causa PREVENÍVEL de defeitos congênitos, de alterações do neurodesenvolvimento e do desenvolvimento intelectual na atualidade. Afirma ainda que o diagnóstico precoce e o tratamento de qualquer condição associada podem levar a melhores resultados finais. Reforçam que durante a gravidez NENHUMA quantidade de ingestão de álcool é segura e que todas as formas de álcool (cerveja, vinho, destilados) representam risco semelhante. Além disso, episódios de ingestão aguda de álcool em grande quantidade (bebedeira) colocam o feto em risco proporcional à dose ingerida. 

Em síntese, tolerância zero para álcool na gravidez. 

Passemos aos efeitos do consumo de maconha durante a gestação. 

A Cannabis sativa, conhecida como maconha, é a droga ilícita mais usada em todo mundo. Nos últimos anos o início do consumo desta droga tem se dado mais cedo, ainda na adolescência. Aproximadamente 60% dos que consomem maconha a experimentaram antes dos 18 anos. E entre os usuários de maconha, os homens usam três vezes mais que as mulheres. 

Importante destacar que quanto mais precoce é o início do consumo, mais frequente e prolongado, maior a probabilidade de consequências negativas futuras. 

É estimado que de 3% a 10% das gestantes no mundo consumam Cannabis. Sabe-se que o THC (tetraidrocanabinol) é altamente lipossolúvel e atravessa a barreira placentária. A maioria das pesquisas mostrou uma associação entre o consumo materno de maconha e desenvolvimento fetal, sendo a restrição do crescimento fetal a maior complicação da exposição à maconha, causando ainda retardo do desenvolvimento do sistema nervoso fetal e distúrbios neurocomportamentais. O consumo de maconha na gestação altera a atividade de regiões do cérebro do feto em longo prazo, principalmente a região do lobo pré-frontal, relacionado às funções cognitivas complexas. 

Vale ressaltar que os efeitos da Cannabis sobre o recém-nascido são sutis e que dificilmente são notadas pelos pais do bebê, porém devem ser percebidas por médicos para garantirem a investigação do quadro e aplicação dos cuidados necessários. A pessoa exposta à Cannabis na gestação pode desenvolver hiperatividade, deficiência cognitiva e emocional. 

Quanto ao uso de cocaína na gestação, alterações fisiológicas induzidas pela gravidez potencializam os efeitos da droga. Dado seu efeito vasoconstrictor, o consumo da cocaína pode provocar hipertensão arterial, taquicardia e arritmias, precipitando crises hipertensivas. Seu uso durante a gestação provoca ainda várias outras alterações graves: abortamento, descolamento prematuro de placenta, ruptura prematura de membranas, contrações uterinas precoces, movimentos fetais excessivos, parto prétermo, ruptura uterina. 

A cocaína atravessa facilmente a placenta e a barreira hemo-liquórica, atingindo diretamente o feto e a magnitude desses efeitos irá depender da dosagem, do momento da gravidez e da duração da exposição. 

Estudos prospectivos controlados sugerem que a exposição pré-natal à cocaína resulta em uma consistente restrição do crescimento fetal, ou seja, diminuição do peso, comprimento e perímetro cefálico, explicados pelo impacto negativo da droga sobre o fluxo sanguíneo placentário e uterino. Entretanto, não foi identificado nenhum padrão de dismorfologia, como o que ocorre na síndrome alcoólica fetal. Os recém-nascidos são geralmente prematuros, de baixo peso, com restrição de crescimento intrauterino. Verifica-se aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial. A icterícia é mais frequente, assim como a Síndrome da Dificuldade Respiratória, possivelmente, contudo, mais relacionada à prematuridade. A exposição pré-natal à cocaína tem sido associada à ocorrência de psicopatologia mais tarde na vida, como transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, delinquência, depressão, ansiedade e ideação suicida. 

Fumo 

O tabagismo é responsável por cerca de cinquenta doenças diferentes. Vários eventos danosos são descritos nas grávidas, inclusive pelo fumar passivo. Incisivamente é preciso lembrar que fetos de mães fumantes também são fumantes, isto é, estão sujeitos à ação das drogas contidas no tabaco, ou mais especificamente na fumaça dos cigarros. 

Para a fertilidade assinalam-se: subfertilidade e gravidez ectópica. Para a gravidez, entre outros efeitos: menor ganho de peso durante a gestação; abortamento; aumento da frequência de partos de pré-termo; descolamento prematuro da placenta. 

Dos muitos danos que o feto pode sofrer e, o mais estudado, é o prejuízo no ganho de peso, independentemente do número de cigarros fumados pela gestante. Além disso, aumento da mortalidade perinatal e morte súbita. 

Para crianças maiores e adultos: Problemas do sono até os 12 anos; asma e broncoespasmo; pior regulação autonômica; resposta auditiva pobre. 

Conclusão – O consumo de drogas quer sejam lícitas ou ilícitas deve ser investigado desde o pré-natal e os profissionais de saúde precisam informar as mães, pais e familiares sobre os potenciais riscos para o desenvolvimento fetal, para os recém-nascidos e para o futuro da criança. 

Conceição Aparecida de Mattos Segre, titular e emérita da cadeira nº 28.