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O que a Zika está ensinando

20.02.2017 | Acadêmicos, Gerais

Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak

O Brasil é mais ou menos como aqueles alunos desinteressados do ensino médio que só aprendem depois de uma reprovação — se é que aprendem. Fomos reprovados quanto às providências para limitar a epidemia de dengue. Não conseguimos grandes progressos no controle do vetor e até na precaução bem mais simples de garantir atendimento médico razoável às vítimas da epidemia, porquanto ainda se morre de dengue aqui no Brasil. Uma parte das mortes é por manifestações mais exuberantes do vírus, como hepatite ou encefalite, felizmente muito raras, mas a outra parte é simplesmente consideração demorada à vasculite tipicamente ligada à dengue, que pode ser resolvida com hidratação adequada. Não vamos nem falar em litígio contra o vetor para vergonha nossa, porque este controle já foi conseguido no Brasil por Oswaldo Cruz no início do século XX, sem os recursos que hoje dispomos. Claro que a situação hoje é mais complexa, pois temos maior número de favelas e locais congêneres onde nem a polícia pensa em pôr os pés, mas, ainda assim, parece evidente que a vitória sobre o inseto é viá-vel desde que haja consciência de que ela precisa ser obtida. Por parte do governo com certeza e, também, com a cooperação da população, mesmo usando o que já é desembaraçado. O uso de mosquitos transgênicos deveria ser autorizado e menos “encrencado” nas agências regulatórias. Está explícito que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) diz que mosquito não é com ela, convindo que seja com alguém e seja feita, já que admite terem credenciais os de tal tipo. Para responder a uma objeção dos defensores da natureza, não esqueçamos que o Aedes aegypti não é da fauna brasileira, e sim uma espécie invasora, particularmente malvinda. 

A chegada de mais duas arboviroses em nosso meio, a chikungunya e a zika, torna mais dramática a situação presente. A zika tem impacto devastador, que é a indução de lesões no sistema nervoso central durante a gravidez, levando nossos cientistas e sanitaristas a uma atitude rara nestes Brasis, formando redes colaborativas de pesquisadores para lidar com essa fase incômoda. A pesquisa brasileira tem a obrigação moral de preo-cupar-se com os problemas vigentes e levar ao povo os resultados de suas ações. Não é a primeira vez que fato semelhante ocorre: conhecemos alguns estudos em grupos muito bons quanto à leishmaniose mucocutânea e à malária. O impacto da pesquisa em assuntos populacionais não pode ser ignorado. Verificações muito antigas, provando que durante diarreias a absorção de água e eletrólitos está preservada, levaram à disseminação do uso do chamado soro caseiro, que nada mais é que sal e açúcar diluídos na água — e o número de crianças salvas por algo tão simples é enorme. É possível, portanto, colher resultados de pesquisa que parece basilar em condições clínicas. 

O outro exemplo histórico de doença que levou a um imenso cabedal de conhecimentos em biologia humana foi capaz de incrementar, de maneira nunca vista antes, esclarecimentos da resposta imune humana. Perto da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, as arboviroses parecem ser algo imensamente mais simples. Podem possibilitar imunização, já que concedem imunidade. Aliás, temos vacina pronta, recentemente licenciada, para usar no caso da dengue, e contamos também com a possibilidade de tentar produzir vacina contra a zika. Enfim, esperamos que a mobilização dos cientistas brasileiros leve a resultados de aplicação rápida à nossa população sacrificada. Ciência não pode ser dirigida autocraticamente. Não estamos na Coreia do Norte, portanto há, sim, obrigação para com o povo que paga nossas Universidades, onde está a imensa maioria dos pesquisadores brasileiros. 

No momento, é indiscutível que a medida a adotar é sucesso no combate ao mosquito, se realizado corretamente e com urgência. Isso é o denominador comum da atividade imperiosa. Ele não cede com facilidade, embora conheçamos a possibilidade de dominá-lo, visto que já foi verificada vulnerabilidade por parte dele, quando as ações convenientes, efetivas, merecem a atenção devida. O vetor do vírus, veiculador de quatro tipos de infectantes permanece por aqui há vários anos, convivendo francamente conosco. São os agentes etiológicos da febre amarela, da dengue, da chikungunya e da zika. 

O Aedes aproveita a excelente e ampliada moradia, e os vírus, oportunistas, servem-se dessa gentileza, da qual uma parte, lembramos, acolhe 60% do território nacional sem saneamento básico. 

Providências intervaladas não ajudam devidamente. Impõe-se, agora, trabalho árduo, sem falhas grosseiras, ligadas a comodismo e falta de recursos essenciais. 

Se o zika vírus trouxe ensinamentos, devemos salientar tal circunstância. Eis alguns: programas de saúde pública bem elaborados e permanentes; eliminação de politicagem prejudicial; acesso a estrutura viável e nem sempre custosa; implantação de mais laboratórios específicos, sobretudo para vigilância epidemiológica e avaliações rotineiras, estando, neles, colaboradores valorosos, dedicados e, de fato, prestativos; ajuda real de pesquisadores, reconhecendo pessoas que têm esse título e existem passivamente; perceber que as orientações para gestores deixam brechas, das quais se aproveita o mosquito (e, a propósito, cito a promoção da saúde, a prevenção de doenças, diagnóstico, tratamento e atenção referente a sequelas). 

A zika compareceu com forte vontade de obter destaque em vastas matérias. Paralelamente a manifestações clínicas desagradáveis, agregou malefícios mais temíveis: a microcefalia, aguardando confirmação definitiva, e recrudescimento da síndrome de Guillain-Barré. Urge implantar com urgência providências recomendáveis, dependentes de sensatez, prioridades e interesse para que a doença não nos vença. E para maltratar suplementarmente, a doença também ocorre por transmissão sexual ou por transfusão de sangue, alvos de revisões científicas suficientes e eventuais profilaxias. 

Ensinamento, bom ou mau, vale como base para a adoção de atitudes. Ocorrência analisada com critério permite admitir que não existe obstáculo para o aprendizado de alguma coisa.

Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak
Professores universitários, com especialização
em clínica de doenças infecciosas e parasitárias