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Os Tempos Da Vida

14.11.2016 | Acadêmicos, Gerais

José Hugo de Lins Pessoa

José Hugo de Lins Pessoa Não é raro ouvirmos alguém dizer a expressão “no meu tempo”, geralmente seguida de um elogio, um comentário positivo, simpático, ao tempo de quando éramos mais jovens. O sentimento que dá origem a essa frase é uma vaga sensação de perda, muitas vezes quase imperceptível, que nós, humanos, sentimos com o “passar” do tempo. Os homens primitivos não conheciam a necessidade de medir o tempo. Os homens civilizados descobriram a necessidade prática de medir o tempo e criaram o tempo quantitativo, “o tempo do relógio”, com horas, dias, meses e anos. O tempo do relógio determina todas as nossas atividades. Mas deve-se considerar que temos outro tempo, o tempo existencial, qualitativo – o tempo vivido por cada um de nós. Heidegger, um dos maiores pensadores do século passado, busca o tempo existencial, qualitativo, para mostrar que ser e tempo se condicionam entre os horizontes temporais da singularidade de cada existência humana. A vida é um experiência instantânea. Todas as nossas ações são regidas por frações exatas de tempo. 

O que significa viver o tempo de uma vida? Somos a soma de várias experiências, de vários momentos, de vários tempos. Vivemos para aprender. Para a criança, o tempo é o instante em que vive. O tempo infantil não tem compromisso com o passado, com o presente ou com o futuro, é múltiplo, reversível. O adolescente percebe que perdeu o tempo infantil. Procura, inconscientemente, mecanismos, que se mostram inúteis, para conservar o tempo infantil. Passa a viver o tempo de adolescente, buscar a sua identidade, conhecer, “desafiar” e incluir-se no mundo. O homem adulto enfrenta o vazio das duas perdas, do tempo infantil e do tempo da adolescência e aprende que, para amadurecer, precisa “aceitar essas perdas”. As idades intermediárias, da plenitude da juventude ao fim da maturidade, vivem circunstâncias de ação, refutam a contemplação e demonstram dificuldades para compreenderem os limites dos tempos do homem. Depois de tantas surpresas e de tantos encontros com o desconhecido, na terceira idade o homem pensa que finalmente compreende a vida, e descobre que sempre viveu submetido ao tempo do relógio, mas que, por natureza, é estranho a ele. Não é o tempo que passa, nós é que passamos no tempo. 

Norberto Bobbio definiu a terceira idade como o “tempo da memória”. Realmente, nesse momento, o pensamento humano, como o fio de Ariadne, leva-nos e nos traz da intuição à maturidade, da juventude aos cabelos brancos, do “meu tempo” para todos os tempos. O fantasma do tempo passado, bom ou mau, ressurge na memória para povoar o nosso próprio tempo histórico. Existem aqueles tempos em que a vida toma ares de uma doce aventura, e outros em que parece uma guerra sofrida. Lá estão tempos em que alegres nos embriagávamos de amor, do primeiro beijo, do nascimento dos filhos. E também aqueles em que tristes sepultamos nossos pais, despedimo-nos de pessoas significativas e enfrentamos nossas doenças. 

É preciso compreender as transitoriedades das experiências vividas e delimitar as fronteiras de cada tempo já vivido. Desse modo, o homem torna-se apto para uma relação completa com todas as coisas do tempo presente. E, como não há garantia alguma do tempo futuro, cria esperanças. A esperança, segundo Kant, é a razão de viver. Essa é a mágica da vida, o mistério da vida, o que nos impulsiona sempre para a frente, enfrenta as forças da morte, sabendo que os tempos da vida são pontes para a eternidade.

José Hugo de Lins Pessoa
Médico e escritor