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Rugas – Helio Begliomini

22.12.2017 | Acadêmicos, Gerais

“As rugas são os caminhos por onde a experiência que chega encontra as ilusões que se vão.”
Jean Antoine Petit-Senn (1792-1870), poeta franco-suíço.

Elas são implacáveis e silenciosas; quem viver… com elas conviverá. Surgem insidiosa e lentamente. Não doem, mas também não são bem-vindas, pois deformam a vitalidade e a beleza da eterna juventude que todos um dia ostentaram. 

Foram rusticamente esculpidas com o cinzel do tempo e assinalam os quilômetros rodados da existência. São indelicadas, pois não pagam aluguel; tampouco pedem licença para se alojar e, tal qual um parasita, uma vez enxertadas e estabelecidas, multiplicam vagarosamente seus tentáculos e aprofundam seus sulcos, dominando completamente o sítio hospedeiro. 

Alguns têm o privilégio de tê-las parcimoniosa e tardiamente. Outros, desafortunadamente, devido às vicissitudes que a vida lhes proporcionou, veem-nas brotar mais precocemente. 

É verdade que podem ser artificial e parcialmente camufladas, mas não se consegue extinguir sua produção. Tudo é uma questão de tempo… Ele é inexoravelmente implacável!- Para alguns denotam experiência, tirocínio, discernimento e responsabilidade. 

Para outros ostentam mau agouro, pois prenunciam ou emolduram a última fase da vida, constituindo-se num dos apanágios da senectude. 

São safadas e muito espertas. Não trabalham sozinhas, mas estão sempre acompanhadas de um pelotão de comemorativos: ressecamento e inelasticidade cutâneas; olhar baço e turvação do cristalino; ouvidos moucos; secura, fragilidade, queda e encanecimento dos cabelos; lentidão de raciocínio; atrofia muscular e movimentação morosa dos membros, dentre tantos outros. 

Todas essas características podem ser muito bem sintetizadas numa singela palavra de tão somente cinco letras: “Rugas”, tendo wrinkles como sinônimo em inglês, igualmente um vocábulo um tanto quanto charmoso. 

Se “o coração não tem rugas”, como asseverou a escritora francesa Marie Sévigné (1626-1696), ele, com certeza, não estará imune às suas consequências. 

“Que a velhice não nos surpreenda com mais rugas na alma do que no corpo”, exclamou Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592), político, filósofo e escritor francês. E esse seria também o meu desejo, embora pressinta que muitas das rugas que foram brutalmente esculpidas no corpo pelas intempéries e contratempos da existência também sulcaram de modo inextrincável nossa alma; infelizmente, também o inverso é verdadeiro: reiterados dissabores, infortúnios e achaques que magoaram e degradaram nossa alma provavelmente trouxeram consigo expressões cutâneas de suas manifestações, dando a entender que as rugas sejam uma via de mão dupla: no corpo e na alma ou na alma e no corpo.

Helio Begliomini
Membro da Associação Paulista de Medicina,

da Academia de Medicina de São Paulo,

da Academia Cristã de Letras e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

Fonte: Suplemento Cultural da APM – Dezembro 2017 – nº 297