PortugueseEnglishSpanish
Notícias

Sistema público autofágico, planos populares de saúde

20.07.2017 | Acadêmicos, Gerais

Nelson Guimarães Proença

Quatro anos atrás a Academia de Medicina de São Paulo promoveu um debate sobre a situação da assistência pública à saúde no Brasil. Fui convidado a participar desse debate. Na ocasião foi unânime a reprovação ao atendimento feito pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. Foi igualmente unânime a concordância sobre a necessidade de o orçamento público destinar mais verbas para essa área. 

Em minha intervenção concordei com as críticas, mas acentuei que não basta apenas solicitar mais verbas, é preciso ir mais ao fundo da questão. Insisti na necessidade de rever alguns pontos básicos; as sugestões que fiz, então, vou recordar agora, de modo sucinto. 

Primeiro, a questão das competências. A Atenção Básica à Saúde (ABS) deve ser uma competência municipal. A Atenção Secundária à Saúde (ASS) deve ficar a cargo dos Governos Estaduais e, finalmente, a Atenção Terciária à Saúde (ATS) seria de competência do Governo Federal. 

Segundo, apesar de as responsabilidades estarem assim bem definidas, o orçamento de cada nível de Atenção à Saúde receberia contribuição dos três Poderes — Federal, Estadual e Municipal. As verbas necessárias seriam destinadas segundo percentuais definidos em lei. 

Há uma terceira decisão — fundamental — a ser tomada e, eu diria então, tomada urgentemente. O orçamento destinado à Saúde teria de ser a soma de três orçamentos individualizados, independentes entre si: o da APS, o da ASS e o da ATS. E deverá constar claramente o impedimento de seu remanejamento, como ocorre atualmente, havendo o deslocamento de verbas da APS e da ASS, para atender às necessidades da ATS. 

É fácil justificar essas propostas, pois elas resultam do fato de a APS ter verbas absolutamente PREVISÍVEIS, também do fato de a ASS ter verbas RAZOAVELMENTE PREVISÍVEIS (no caso da ASS, a margem de erro não é superior a dez por cento). 

As ATS — o nível Terciário — é absolutamente IMPREVISÍVEL quanto a seus gastos, pois estes crescem assustadoramente, ano a ano. 

Portanto, o objetivo de tais propostas é o de separar APS e ASS da ATS, garantindo a extensão e a qualidade das duas primeiras. Já o nível Terciário necessita ter programas específicos, de acordo com as necessidades da população e também estar de acordo com as disponibilidades orçamentárias que a ele podem ser destinadas. Importante destacar que a elevação da resolutividade dos níveis Primário e Secundário diminuiria a pressão sobre os serviços voltados para o Terciário. 

Publiquei essas sugestões no Suplemento Cultural da Revista da Associação Paulista de Medicina. Não recebi um comentário favorável nem sequer uma única manifestação de apoio, seja de médicos ou de entidades médicas. Silêncio absoluto. 

Tendo relembrado ideias que venho sustentando, quero agora destacar algo que despertou minha atenção recentemente. Acaba de ser aberto o debate sobre “Planos Populares de Saúde”. As empresas que já trabalham nesse setor ofereceriam planos mais acessíveis para a maioria da população. Um argumento que tem sido usado, considerado muito importante: tais planos reduziriam a pressão sobre o SUS. 

No início do mês de abril deste ano de 2017, foram publicados na grande imprensa artigos defendendo a ideia de “Planos Populares”. O tema, inclusive, já chegou a ser comentado informalmente por membros da administração pública federal. A iniciativa do debate público foi feita por José Chechin, Presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar, a FENASAÚDE. E seu artigo já foi acompanhado por outros artigos, assinados por pessoas afeitas aos problemas dessa área. Não parece ser um balão de ensaio, creio que agora a discussão é para valer. 

Qual seria o seu objetivo? O que essa discussão está sugerindo? 

Simplesmente a aceitação de “Planos Populares” com separação das Atenções Primária e Secundária em relação ao nível Terciário. As duas primeiras — que têm custos previsíveis — seriam o universo dos “Planos Populares”. O nível Terciário, com seus custos imprevisíveis, ficaria a cargo do Poder Público.

A raiz do problema são os custos das Atenções Terciárias. Para usar as palavras do Presidente da FENASAÚDE, em apoio aos “Planos Populares”: “pode ser que se encontre um caminho para a escalada do custo dos planos”. 

Certo ou errado? 

Absolutamente certo! 

Mas é preciso deixar claro que só há viabilidade para essa proposta se os “Planos Populares” ficarem desobrigados de dar ATS a seus beneficiários. Por que, então, o SUS não trilha o mesmo caminho? Os “Planos” só terão espaço se o Poder Público tomar primeiro, e com urgência, algumas decisões indispensáveis que lhe cabem. E as decisões são aquelas que há anos venho sugerindo e que apresentei, sumariamente, na abertura deste artigo. 

Caso o orçamento público venha a separar os recursos para cada nível de Atenção à Saúde, sendo impedido de remanejá-los, a melhoria quantitativa e qualitativa das atenções oferecidas à população será muito rápida. E isso tornará supérfluo qualquer “Plano Popular” acessível aos menos afortunados. Inversamente, se nada for feito na área do Poder Público, ao mesmo tempo em que forem permitidos os “Planos Populares”, será construído um abismo entre os padrões da oferta de Serviços, pelo Poder Público e pela iniciativa privada. 

Passados estes anos, está agora sendo reconhecido que as raízes dos problemas são os custos da Atenção Terciária à Saúde. Em face do que atualmente é proposto como solução do problema, será que eu não estava com a razão?

Nelson Guimarães Proença 

Membro da Academia de Medicina de São Paulo, Ex-Presidente da Associação Médica Brasileira e da Associação Paulista de Medicina