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Espaço do Editor: Códigos de Ética Médica, Humanismo, Médicos e Vida Humana

13.09.2017 | Acadêmicos, Gerais

Se a ética não governar a razão, a razão desprezará a ética…”
José de Sousa Saramago (1922-2010), prêmio Nobel de Literatura em 1998.

O médico é um profissional como outros, tem seus direitos e deveres. Contudo, por ser objeto de sua ação a vida humana, fragilizada pela doença num ser padecente, sua atuação deve ser, necessariamente, disciplinada inexoravelmente por normas, condutas e valores condizentes com seu mister e dignificantes do exercício profissional, que, jungidos, se tornaram conhecidos como Códigos de Ética Médica. 

Pode-se dizer que o primeiro Código de Ética Médica que se conhece tenha sido o Juramento de Hipócrates (460 a.C a 370 a.C). Nele há prescrições de condutas orientadas àqueles que se consagravam a cuidar honrosamente dos doentes, que se tornaram irretocáveis e imarcescíveis ao largo de mais de dois milênios na história da medicina!: Pode-se dizer que o primeiro Código de Ética Médica que se conhece tenha sido o Juramento de Hipócrates (460 a.C a 370 a.C). Nele há prescrições de condutas orientadas àqueles que se consagravam a cuidar honrosamente dos doentes, que se tornaram irretocáveis e imarcescíveis ao largo de mais de dois milênios na história da medicina!:  “Eu juro (…) que ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência”; (…) “Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva”; (…) “Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, o que terei como preceito de honra”; (…) “Nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime”, dentre outros preceitos. Não restam dúvidas de que para aqueles que amam ou admiram a medicina e o ser médico, assim como praticam o amor ao seu semelhante, particularmente àqueles que padecem, tais preceitos emocionam e eriçam os pelos do corpo todo! 

Passaram-se centúrias e centúrias e somente em meados do século XIX, precisamente em 1847, surgiria o Código de Ética Médica da Associação Médica Americana com tão somente nove artigos! Contudo, no século XX eles se multiplicariam e se ampliariam em suas versões, particularmente no Brasil. O Código de Moral Médica com seus 106 artigos foi promulgado em 1929, no VI Congresso Médico Latino-Americano. Em 1931, surgiu, no I Congresso Médico Sindicalista, o Código de Deontologia Médica, que reunia 116 artigos. Em 1945, no IV Congresso Sindicalista Médico Brasileiro, esse código foi reduzido para tão somente 60 artigos e se tornou o primeiro oficialmente reconhecido pelo governo brasileiro (Decreto-lei no 7.955). A Associação Médica Brasileira, fundada em 1951, promulgou o Código e Ética em 1953, que continha 90 artigos. Seu texto foi baseado Juramento de Hipócrates, na Declaração de Genebra (1948), adotada pela Organização Mundial da Saúde, e no Código Internacional de Ética Médica, instituído em 1949. O

Conselho Federal de Medicina (CFM), criado também em 1951, surgiu como uma autarquia que possui atribuições constitucionais de fiscalização e normatização da prática médica. Doravante as modificações no Código de Ética Médica tiveram seu protagonismo e sua chancela. Assim, em 1965, surgiu o Código de Ética Médica (CFM, 95 artigos) com texto inspirado em códigos de ética americano, inglês e sueco. Em 1984 apareceu o Código Brasileiro de Deontologia Médica (CFM, 79 artigos). Em 1988 veio a lume o Código de Ética Médica (CFM, 145 artigos), cujo texto foi considerado bastante avançado para a época, visto que continha questões relacionadas à medicina, à saúde e à sociedade. Esse código fez parte do processo de redemocratização do país e foi resultado da I Conferência Nacional de Ética Médica. Em 13 de abril de 2010 entrou em vigor o Código de Ética Médica (CFM, 118 artigos), o sexto reconhecido no Brasil e ora vigente, trazendo avanços em áreas importantes, como ensino médico, conflito de interesses, novas tecnologias, término da vida e autonomia profissional. 

Entretanto, passados apenas seis anos (!), o CFM já a partir de 1o de julho de 2016, começou a mobilizar e a estimular a classe médica para uma nova reformulação dos preceitos éticos, técnicos e morais da medicina contidos no Código de Ética Médica vigente. Por oportuno deve-se perguntar: Quais são as reais necessidades da premência dessa atualização? A quem realmente interessam? Será que em tão pouco tempo o código de 2010 já se tornou obsoleto? A seguir esse ritmo ter-se-á um novo código de ética a cada dois mandatos do CFM! 

O mundo atual é marcado por paradoxos: buscam-se – a qualquer preço – por direitos pessoais em detrimento dos de outrem; abundam tecnologias sofisticadas e escasseiam-se práticas de humanismo na cotidianidade do médico; destinam-se cotas especiais para afrodescendentes e indígenas nas universidades e concursos públicos… criminam-se energicamente supostos atos racistas… combate-se teatralmente a homofobia e dão-se equiparações a manifestações do movimento LGTB 1 … tornam-se respeitadas e representativas as minorias, mas tergiversam e se ignoram os direitos do embrião, do feto, enfim, do nascituro; dissemina-se a cultura da necessidade improrrogável de preservação do meio ambiente, com sanções pesadas e amargas àqueles que derrubarem uma árvore ou matarem espécies de animais em extinção (tartarugas… baleias… e outros da fauna silvestre), porém, livram-se homicidas das cadeias… 

E por referir à vida lato sensu, condição que subjaz, logicamente, em qualquer ser vivente – ainda que ele esteja enfermo, deformado, mutilado, obnubilado ou malformado –, não resta a menor dúvida de que o médico é um dos profissionais mais apropriados a ser o guardião da vida humana –, que é o primeiro e o maior bem que um ser humano (vivente) poderá ter, nem mesmo a “integridade” da saúde o sobrepuja. Dessa premissa, nunca será demais recordar e sugerir que se acrescente orgulhosa e corajosamente, logo no início do Capítulo I – “Princípios Fundamentais” do Código de Ética Médica (2010) o seguinte preceito: É dever precípuo do Médico: cuidar, preservar, defender e tratar com zelo e respeito a vida humana em sua completude, desde o seu início até o seu ocaso, premissa, infelizmente, omissa nos códigos brasileiros de ética médica, mas, subentendida sabiamente no bimilenar Juramento de Hipócrates, o genial Pai da Medicina! 

Com certeza e com a coerência dignificante do cumprimento dessa asserção derivarão outros predicados, normas, condutas e honras no exercício profissional do médico, tal qual a atual definição consignada no parágrafo I, contida no mesmo capítulo, acima mencionado: “A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”. A honra do cumprimento deste preceito deriva, necessária e coerentemente do cumprimento daquele, acima sugerido e até agora omisso, visto que ontogenicamente o precede. 

*LGBT (ou LGBTTT) é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros, que consistem em diferentes tipos de orientações sexuais