Notícias

Futuro do transplante de órgãos abdominais é tema da tertúlia da AMSP

09.10.2025 | Acadêmicos, Tertúlias

Na última quarta-feira, 8 de outubro, a Academia de Medicina de São Paulo realizou mais uma edição de sua tradicional tertúlia – de forma híbrida, com transmissão a partir da sede da Associação Paulista de Medicina. O convidado desta edição foi Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque, especialista em Cirurgia do Aparelho Digestivo, que fez uma apresentação sobre o futuro do transplante de órgãos abdominais (intestino e fígado).  

O presidente da AMSP, Helio Begliomini, iniciou a sessão destacando a impressionante trajetória do palestrante. Nascido em Ribeirão Preto e formado pela Faculdade de Medicina de Taubaté, D’Albuquerque estagiou no Instituto de Transplantes Thomas Starzl, nos Estados Unidos, onde participou ativamente de transplantes de fígado e pâncreas.

Em 1989, ele organizou o Serviço de Transplante de Fígado e Cirurgia do Aparelho Digestivo no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo, realizando cerca de 400 transplantes de fígado. Ao longo de sua carreira publicou mais de mil artigos e centenas de capítulos de livros, ministrou mais de 500 aulas e conferências e possui um trabalho acadêmico amplamente reconhecido, com um índice H de 44 e milhares de citações em indexadores científicos.

Mortalidade x sobrevida

Luiz Augusto D’Albuquerque iniciou sua apresentação comparando a taxa de mortalidade de quase 50% antes de 2008 com a taxa de sobrevida atual, que é de cerca de 87%. Essa melhoria é um reflexo da melhoria dos programas e da consolidação do transplante como a única opção terapêutica para doenças hepáticas terminais.

O aumento da sobrevida é impulsionado, principalmente, pelo desenvolvimento de imunossupressores mais efetivos. Além disso, a evolução nas técnicas cirúrgicas, na seleção de pacientes e nos cuidados perioperatórios, incluindo o suporte avançado de UTIs, foram cruciais. Hoje, o manejo de complicações arteriais e venosas é muito mais eficaz, contando com a ajuda de radiologistas intervencionistas. Com estes progressos, a expectativa de sobrevida pós-transplante deve superar 50% em cinco anos.

O acadêmico destacou que a seleção do paciente é um ponto crucial para o sucesso do procedimento. É fundamental que o paciente seja reabilitado social e clinicamente antes da cirurgia, pois transplantar um doente acamado por muitos meses leva a uma recuperação lenta e difícil, o que não otimiza o uso do órgão.

Outro ponto essencial é a aderência ao tratamento pós-transplante. Ele citou a recente mudança na legislação para pacientes com doença hepática alcoólica. Uma nova portaria reduziu o tempo de abstinência exigido de seis para três meses, desde que o paciente tenha suporte psicossocial e avaliação especializada. Essa alteração é vital, pois permite o transplante em casos de hepatite alcoólica aguda, oferecendo uma chance de vida a jovens que antes não teriam acesso ao procedimento.

D’Albuquerque mencionou a ampliação das indicações de transplante para cirrose crônica e novos tipos de tumores, como o carcinoma hepatocelular. A grande preocupação atual, contudo, é a esteatose hepatite (gordura no fígado), que já é a segunda causa de câncer de fígado nos EUA e deve se tornar a principal causa de transplante por cirrose até 2030.

Transplante no Brasil

Apesar da alta qualidade do programa brasileiro, que é o maior serviço público de transplantes do mundo, a demanda é enorme e os desafios persistem. A taxa de recusa familiar para doação no Brasil é alta, cerca de 36%, e ainda há problemas de logística e descarte de órgãos.

Além disso, a distribuição dos centros de transplante é desigual, com 60% concentrados na Região Sudeste, deixando as demais regiões carentes. O resultado desses desafios é que muitas pessoas continuam morrendo na fila de espera pelo transplante, o que gera grande frustração.

O palestrante concluiu apontando que inovações como as máquinas de perfusão, que otimizam o uso de órgãos que seriam descartados, e a adoção do doador com morte cardíaca – permitido em países como a Espanha – são cruciais para o futuro do transplante no Brasil. Enfrentar os desafios logísticos, regionais e de recusa familiar é fundamental para que o País atinja seu enorme potencial de crescimento no número de procedimentos.

Texto e fotos: Maria Lima (sob supervisão de Giovanna Rodrigues) – Adaptado por Academia de Medicina de São Paulo.