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Biografia

Antônio Carlos Pacheco e Silva

Antônio Carlos Pacheco e Silva nasceu na cidade de São Paulo aos 29 de maio de 1898. Era filho do coronel Pérsio Pacheco e Silva e de Escolástica de Lacerda Pacheco e Silva. Foi casado em primeiras núpcias com Lavinia Souza Queiroz Pacheco e Silva e, em seguida, com Dirce Rudge Pacheco e Silva. 

Realizou os seus estudos primários na Escola Americana e cursou, a seguir, o Ginásio Nogueira da Gama e o Mackenzie College. Diplomou-se, em 1920, na cidade do Rio de Janeiro, pela Faculdade Nacional de Medicina, e, logo após, fez vários cursos de aperfeiçoamento em neurologia e psiquiatria em várias clínicas europeias. 

Assim, empreendeu viagem à Europa, matriculando-se na Faculdade de Medicina de Paris. Frequentou a Clínica Charcot, na Salpêtriére – Serviço do professor Pierre Marie, onde se tornou assistente voluntário, em 1921. Acompanhou também as consultas do professor Babinsky e seguiu os cursos dos professores Dumas, Dupré, Sicard, Pierre Janet e Claude. 

Retornando a São Paulo, em maio de 1921, foi nomeado médico anatomopatologista do Hospital do Juqueri, do qual antes mesmo de haver completado 25 anos se tornou diretor em março de 1923, por indicação do professor Franco da Rocha, que acabava de deixar a direção daquele estabelecimento por ter se aposentado. 

Franco da Rocha em carta endereçada a Antônio Carlos já traçava um escorço de sua têmpera e capacidade: “procurei um homem moço, correto, de moral irrepreensível e grande estudioso, cientista por temperamento e capaz de se sacrificar por amor à ciência. É você quem vai tomar aos ombros esta pesada tarefa, que aos outros, menos conscientes, parecerá coisa simples e lucrativa. Aceite você esta carga em benefício do Estado, pelo qual nós todos devemos nos sacrificar”. 

A previsão se realizou. Concluiu o novo pavilhão para mulheres, aparelhou o laboratório de biologia e anatomia patológica. Iniciou a publicação das “Memórias do Hospital Juqueri” e instalou a seção de radiologia. Criou, em 1930, a Assistência Geral dos Psicopatas do Estado de São Paulo, à qual se subordinavam o departamento de psicopatologia da faculdade de medicina, a clínica psiquiátrica e o ambulatório de higiene mental, sendo o seu primeiro diretor. Em 1933, inaugurou o manicômio judiciário deixando esse cargo em 1938, por imposição constitucional, para optar pela cátedra da faculdade de medicina. 

Amigo dos estudantes, foi paraninfo da turma de 1938. Impregnado da cultura gaulesa, desde cedo em Paris, recebeu o influxo desse maravilhoso país, glória da latinidade. 

Em 1926, comissionado pelo governo do estado de São Paulo, percorreu os Estados Unidos da América e vários países da Europa, com a finalidade de estudar a organização dos diversos departamentos de assistência aos alienados e menores anormais, penitenciárias e manicômios judiciários. 

Reunidos em relatório os resultados dessa viagem, o trabalho recebeu um voto de louvor da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Higiene Mental. 

Pacheco e Silva realizou várias pesquisas sobre moléstias do sistema nervoso, tendo seus trabalhos largamente sido citados em revistas e tratados da especialidade. 

Em 1932 foi convidado pela diretoria da faculdade de direito para reger, por contrato, a cadeira de psiquiatria clínica e forense do curso de doutorado, cargo que exerceu nos anos de 1932 e 1933. 

Em 1935, em virtude da reforma do ensino médico, a então denominada cadeira de clínica psiquiátrica e neuriátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) foi desdobrada em duas: a de clínica neurológica, ocupada após concurso pelo professor Enjolras Vampré, e a de clínica psiquiátrica. Esta, de início, foi regida, mediante contrato, por Pacheco e Silva, o qual, em março de 1936, após memorável concurso conquistou a cátedra de clínica psiquiátrica da USP, ocupando-a até 1967. 

Foi também catedrático de clínica psiquiátrica e fundador da Escola Paulista de Medicina.

A ideia da fundação de uma nova escola de medicina em São Paulo surgiu em 1933 diante da necessidade de se ampliar o ensino médico. E São Paulo, generoso, ouviu os clamores do grupo de idealistas que transformaram em realidade estas justas aspirações. Dentro desse grupo, dois tinham seus consultórios médicos no mesmo prédio – o Prédio Glória –, na Praça Ramos de Azevedo. Eram eles, Octávio de Carvalho e Antônio Carlos Pacheco e Silva. E ali naqueles consultórios nasceu a semente que iria frutificar, e a união dos demais idealistas permitiu que, a 15 de julho de 1933, à Rua Oscar Porto, fosse proferida a aula inaugural que marcava das atividades da Escola Paulista de Medicina. Proferiu-a Antônio Carlos Pacheco e Silva. Disse ele na ocasião: “Não seria sincero se procurasse esconder a convicção em que estou de que esta solenidade se reveste de excepcional relevo, como marco inicial que é de uma série indefinida de lições, que irão anos afora, através de gerações, honrando a cultura e as tradições da medicina paulista. Eu creio firmemente no êxito deste empreendimento, porque ele nasce em São Paulo, esta amada terra nossa, onde tudo cresce, vive e prospera”.

E aí está, para comprovar suas proféticas palavras, a pujança conquistada pela Escola Paulista de Medicina. 

Desde 1933 até 1960, Pacheco e Silva exerceu o cargo de professor catedrático de psiquiatria na Escola Paulista de Medicina, tendo passado por suas mãos centenas de jovens que se tornaram médicos, alguns dos quais seguiram a mesma especialidade e são hoje profissionais de renome, que honram quem os preparou. 

Homem dotado de energia fora do comum, suas atividades não cessaram quando deixou a cátedra em mãos mais jovens. Pelo contrário, Pacheco e Silva continuava em plena atividade, elevando cada vez mais prestígio da psiquiatria brasileira com sua participação pessoal, inteiramente às próprias expensas, participando ativamente de quase todos os congressos, simpósios e reuniões nacionais e internacionais que se realizaram tendo a mais destacada atuação em todos eles. 

As dificuldades de se manter a Escola Paulista de Medicina foram, com o correr dos anos, se agravando. Chegou-se a uma época em que a Escola não poderia ser mantida sem regular auxílio oficial. 

A ideia da federalização da Escola dividiu a opinião dos catedráticos. Pacheco e Silva foi, desde logo, decisivamente favorável a ela, e, a seu pedido, no dia 7 de dezembro de 1950, na Câmara dos Deputados foi apresentado o projeto número 1.024/1950 de autoria do deputado federal Luiz Toledo Piza Sobrinho, cuja justificação contou também com a assinatura do deputado federal Aureliano Leite, pelo qual, se transformando em lei, a Escola Paulista de Medicina seria federalizada. 

A falta de unanimidade dos catedráticos em torno da federalização, aliada a outros fatores de natureza diversa, fizeram que os anos se passassem sem que o projeto 1.024/1950 fosse convertido em lei. 

Em 1955, a situação havia se agravado muito. Achava-se na direção da Escola, nessa fase crucial de sua existência, José Maria de Freitas, a quem foi confiada a incumbência de prosseguir nos trabalhos que visavam a federalização. O então diretor da Escola amparada pela colaboração dos professores, entre os quais Otto Bier e Pacheco e Silva, conseguiu levar a bom termo a incumbência recebida. A Escola Paulista de Medicina foi federalizada, sem quebra de seus princípios, sem alienação dos propósitos de seus fundadores, respeitados todos os direitos do corpo docente, discente e dos funcionários, em plano elevado que muito honrou a todos os que se empenharam na sua consecução. 

Tomando parte ativa em todos esses momentos de lutas e vitórias, Pacheco e Silva foi convidado para proferir o discurso de 4 de maio de 1957 de comemoração da federalização. Disse na ocasião: “Estamos hoje aqui reunidos, em cordial convívio, para comemorar festivamente a concretização de uma velha aspiração da maioria dos professores da Escola Paulista de Medicina, que almejavam vê-la federalizada, capacitados dessa necessidade imperiosa, para que pudesse ela prosseguir sem impasses ou tropeços, na realização dos propósitos que levaram os seus fundadores, ao lado de Octávio de Carvalho, do pranteado Lemos Torres, de Álvaro Guimarães Filho, de Jairo Ramos e de José Maria de Freitas, todos, sem exceção, prestaram a ela inolvidáveis serviços e se tornaram credores de nosso maior reconhecimento

Além desses, Pacheco e Silva ocupou outros destacados cargos militares, científicos e políticos. Foi soldado da epopeia constitucionalista de 1932, deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1934 e deputado à Assembleia Constituinte e Legislativa de São Paulo, em 1935, cabendo-lhe a honra de apor sua assinatura na Constituição Federal de 16 de julho de 1934 e na Constituição Estadual de 9 de julho de 1935.

Foi presidente da World Federation for Mental Health, presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, professor da cadeira de serviços sociais da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, deputado à Assembléia Estadual do Estado de São Paulo, membro do Conselho de Peritos em Saúde Mental da Organização Mundial da saúde (ONU), membro da Academia Paulista de Letras (cadeira número 34), presidente da Aliança Francesa (São Paulo), presidente-fundador da União Cultural Brasil-Estados Unidos (São Paulo), presidente do comitê France-Amérique (São Paulo), presidente da Associação Psiquiátrica Brasileira, presidente da Liga Paulista de Higiene Mental, presidente da Academia de Medicina de São Paulo (1933-1934), presidente do departamento de psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, presidente do departamento de Cultura da Associação Paulista de Medicina, presidente no centro Cultural Brasil-Suécia, presidente do “Idort”, presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo (1951-1952), presidente da Sociedade Brasileira de Escritores Médicos (1974-1976), presidente do “Fórum Roberto Simonsen” da Federação das Indústrias de São Paulo, vice-presidente da fundação Moinho Santista, diretor do Hospital do Juqueri, membro do conselho técnico de economia, sociologia e política da Federação do Comércio, presidente da Sociedade Franco-Brasileira de Medicina de São Paulo, presidente da comissão de relações públicas do Hospital das Clínicas, presidente do conselho científico da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego, membro do conselho de administração do Hospital das Clínicas, membro do conselho executivo da Assistência Mundial de Psiquiatria, membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, membro honorário da Academia Nacional de Medicina, membro da Associação Paulista de Medicina, presidente do “Genepsi”. – Centro de NeuroPsicocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. 

Representou o Brasil em diversos congressos de psiquiatria, neurologia, higiene mental, criminologia e histopatologia, realizados na Argentina, México, Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Suíça, tendo sido presidente, vice-presidente e relator oficial em vários desses eventos. 

Duílio Crispim Farina define Pacheco e Silva como “humanista, acadêmico, escritor, cultor do vernáculo, sempre haurido em límpidas fontes dos mestres clássicos; embaixador permanente da ciência e da cultura e homem de erudição polimorfa e polifacetada. O lar familiar, as tradições de sua gente, a roda de seres afins, a cultura gaulesa, sua alma generosa e altaneira, depreendida e exuberante de civismo fizeramse desde a mocidade um verdadeiro democrata. Esta é a feição inconfundível de sua personalidade

Entre suas condecorações merecem ser assinaladas: Ordem Nacional do Mérito (Grande Oficial), Ordem do Mérito Médico (Grã-Cruz), Ordem do Mérito Militar (Comendador), Legião de Honra da França (Oficial), medalha Mérito Tamandaré, medalha Ordem Nacional do Mérito Educativo, Ordem da Saúde Pública da França (comendador) e a medalha Ordre Nationale du Mérite – França (comendador), medalha MMDC, medalha Nina Rodrigues, medalha da Constituição (São Paulo), medalha Merecimento União Cultural Brasil-Estados Unidos, medalha de Prata da Cidade de Paris, medalha “Visitante Distinguido” do México e medalha da Sociedade dos Dinamarqueses amigos do Brasil. 

Antônio Carlos Pacheco e Silva permaneceu sempre em grande atividade, procurando elevar cada vez mais o nome da psiquiatria brasileira, participando de congressos nacionais e internacionais. 

Foi membro de várias sociedades nacionais e estrangeiras. Publicou os seguintes livros: Direito a Saúde, prefácio de Miguel Couto (1934); O Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo (1935); Problemas de Higiene Mental (1936); Serviços Sociais (1937); Misticismo e Loucura (1939); Curso de Aperfeiçoamento de Psiquiatria de Guerra (1943); A Assistência a Psicopatas no Estado de São Paulo (1945); A Psiquiatria e a Vida Moderna (1948); Medicina Psicossomática em Ginecologia (1950); Psiquiatria Clínica e Forense, obra premiada pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2a edição, 1951); Psiquiatria Infantil – conferências (1952); Serviços Médico-Sociais na Suécia (1953); Um Brasileiro na Dinamarca (1957); Armando de Salles Oliveira, biografia do estruturador e construtor da Universidade de São Paulo (2a edição, 1966); Compêndio da Medicina Psicossomática (2a edição, 1976); Aspectos da Psiquiatria Social; Cuidados aos Psicopatas; Neuro-Sífilis; Palavras de Psiquiatria; Assistência aos Psicopatas nos Estados Unidos e na Europa; Ações Psicológicas na Guerra Moderna; Desajustes Psicossociais; Crises Convulsivas e Equivalentes; e, Envelhecer sem Esmorecer.

Publicou cerca de 1.200 trabalhos (artigos, conferências, monografias, etc.) de caráter científico e cultural, em várias revistas estrangeiras e nacionais, sempre demonstrando uma linguagem apurada e uma beleza ímpar de estilo. 

Conquistou o Prêmio do Concurso Monografia sobre o tema “A Violência e a Segurança Nacional”, promovido pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra – Adesg, em 1980. Recebeu os prêmios “Sérgio Meira”, “Casa de Arnaldo” e “Oscar Freire”. 

Participou ativamente da revolução de 1932. Foi um dos fundadores do M.M.D.C. e membro do Estado Maior dessa organização, durante todo o movimento revolucionário. A sigla evoca Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, martírio e glória da trincheira que não se rendeu. 

Fez parte da comissão encarregada de angariar fundos para a construção do Mausoléu do Soldado Constitucionalista de 1932. 

Dentre tantas atividades relevantes, cumpre salientar o grande esforço empreendido por Pacheco e Silva para transferir a cadeira de clínica psiquiátrica para o campus do Hospital das Clínicas. Esta era, desde 1915, lecionada em parte no Hospital do Juqueri, em parte no antigo Recolhimento das Perdizes, e também no laboratório anatomopatológico da Santa Casa. A partir de 1936, passou a funcionar no antigo casarão do Departamento de Assistência a Psicopatas do Estado de São Paulo, à Av. Brigadeiro Luiz Antônio. 

Para obter isso, atuou juntamente com o professor Benedito Montenegro (então diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e o professor Jorge Americano (então reitor da Universidade de São Paulo), conseguindo do governo do estado (gestão do doutor Fernando Costa), através do decreto-lei número 14.456 de 11/1/1945, que fosse construído o atual Instituto de Psiquiatria. 

Concluído o edifício em abril de 1952, deu-se a inauguração do ambulatório e, em outubro de 1953, iniciaram-se as atividades da primeira enfermaria do instituto. 

A construção de uma clínica universitária psiquiátrica no campus do Hospital das Clínicas representou para São Paulo um acontecimento de excepcional relevo imprimindo novos rumos à assistência, ao ensino e à pesquisa. 

Atendimentos ambulatoriais e nas enfermarias, utilização de valioso material para as aulas práticas, estudos minuciosos de casos enriquecidos com a disponibilidade de preciosos recursos subsidiários criaram, desde logo, condições objetivas para realização de pesquisas e publicação de trabalhos, monografias e teses que foram aparecendo naturalmente nos anos que se seguiram. 

Além de construir o prédio da clínica psiquiátrica, imprimir orientação técnicocientífica e iniciar a composição do quadro de valores humanos do Instituto, Pacheco e Silva estruturou a residência médica e, ao aposentar-se, deixou a primitiva cátedra de psiquiatria desdobrada em três disciplinas: psicologia médica, medicina psicossomática e psiquiatria clínica, lecionadas, sucessivamente, nas três últimas séries do curso médico. 

Antônio Carlos Pacheco e Silva, professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, faleceu em sua terra natal, aos 89 anos de idade, no dia 27 de maio de 1988. 

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.