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Biografia

Antonio Frederico Branco Lefèvre

Antonio Frederico Branco Lefèvre foi o quinto dos sete filhos de Eugênio Lefèvre Jr. e Ana Branco Lefèvre. Nascido em 6 de outubro de 1916 em São Paulo, cursou o ginásio no Colégio São Luiz e ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em 1936, graduando-se em 1941. 

Porém, já na época estudantil interessou-se pela neurologia e desde 1939 frequentava a clínica neurológica – ainda nas enfermarias da Santa Casa – na categoria de estudante-adido, mostrando suas tendências para as ciências do sistema nervoso. 

Interessado também pelos problemas de ordem psicológica, que julgava de grande importância para a sua formação de neurologista, viajou para o Rio de Janeiro no ano de 1944, a fim de assistir ao curso de psicologia do professor André Ombredane. Na mesma ocasião, completou em um ano as três séries do curso de psicologia da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, tendo sido aprovado com distinção. Acompanhava também os trabalhos práticos de psicologia nos grupos escolares de Prefeitura do Rio de Janeiro, desenvolvidos pelo professor Ombredane, além de acompanhá-lo nos estudos dos distúrbios da linguagem e da palavra escrita e falada, no Instituto Nacional de Surdos-Mudos, demonstrando já seu interesse pelo desenvolvimento mental da criança. Ainda nesse ano assistiu a um curso sobre o Psicodiagnóstico de Rorschach, ministrado pelo professor José Leme Lopes e, na Faculdade Nacional de Medicina, curso sobre neurologia infantil ministrado pelo professor Ary Borges Fortes. Previamente a esses estudos, demonstrara interesse pela neurologia pediátrica, quando acompanhara aulas sobre o assunto, naquela época incipientemente ministradas pelo professor Ary Borges Fortes na Clínica Neurológica da FMUSP, e pelo professor Martagão Gesteira na cátedra de pediatria dessa faculdade. O interesse pela neurologia infantil (NI) constituiu-se, desde então, na linha mestra de toda sua formação especializada. 

Retornando a São Paulo reintegrou-se no âmbito da clínica neurológica, já com deliberação de desenvolver-se na especialidade que escolhera com apoio e estímulo de seus mestres e colegas, ao mesmo tempo em que consolidava seus conhecimentos de neurologia geral. Com a transferência dessa clínica para o recém-inaugurado Hospital das Clínicas da FMUSP, tornou-se-lhe possível desfrutar dos recursos oferecidos por um serviço que se aprimorava dia-a-dia, quando, então, pela primeira vez no Brasil, instalara-se uma enfermaria com leitos para crianças com afecções neurológicas. Nessa época, buscou aprimorar-se no exame neurológico da criança, justamente do recémnascido (RN), mantendo intenso intercâmbio com a cátedra de clínica obstétrica do professor Raul Briquet e, depois, com a clínica pediátrica do professor Pedro de Alcântara. 

Nesse período de 1945 a 1950, desenvolveu, com enorme capacidade de trabalho, suas duas teses, de doutoramento e de livre-docência. Assim, num curto período, de agosto a outubro de 1950, defendeu-as com o maior dos sucessos, a saber: Contribuição para o Estudo da Patologia da Afasia em Crianças (doutorado) e Contribuição para a Padronização do Exame Neurológico do Recém-Nascido Normal (livre-docência).

Na primeira tese mostrou seu interesse precoce pelas funções corticais superiores, no caso, a linguagem, tese essa que teve repercussão internacional, a ponto de ser citada como um dos trabalhos pioneiros sobre afasias em crianças (Henri Hécaen e Eric Lenneberg). 

Quanto à sua tese de docência sobre o exame neurológico do RN, antecedeu em 2 anos a obra de André Thomas, sobre o exame neurológico do RN e lactente normal, sabendo-se que, muito do que é atribuído hoje como descrição desse pediatra francês, na realidade, foi antes abordado por Lefèvre. Vários autores de renome, como Wartenberg, elogiaram, citaram ou comentaram sua sistematização para o exame neurológico do RN. 

Entre 1970 e 1971 realizou dois filmes: Exame Neurológico do RecémNascido, o qual até março de 1975 havia sido projetado 134 vezes em numerosos meios clínicos e hospitalares brasileiros; e Três Síndromes Neuropsiquiátricas, cujo roteiro e direção mereceram menção particular, obtendo medalha no 6o Festival Internacional do Cinema Médico, realizado em Nantz, em novembro de 1971. A direção dos dois filmes foi do cineasta B. J. Duarte. 

Em 1972, quando apresentou seu memorial para o concurso de professor-adjunto do Departamento de Neuropsiquiatria da FMUSP, registram-se os impressionantes números de suas atividades: 1. realizou 4 concursos públicos, o último dos quais para o cargo de professor da disciplina de neurologia infantil em 30/4/1968; 2. participação em 24 bancas examinadoras; 3. participação em 3 comissões julgadoras de prêmios conferidos por associações médicas; 4. orientação e formação de um doutor e um docente-livre em neurologia; 5. 13 aulas didáticas para cursos de graduação da FMUSP; 6. 119 palestras e conferências proferidas em sociedades científicas; 7. cursos de extensão universitária e de aperfeiçoamento para médicos; 8. 33 participações em congressos; e 9. cerca de 74 trabalhos científicos publicados. 

Como decorrência de seu interesse pela abordagem semiológica da criança, inspirou seu grupo em pesquisas pertinentes. Assim, após sua tese sobre o RN, por sua orientação, Aron Diament realizou entre 1963 e 1967, o exame neurológico (sob aspecto quantitativo) da criança lactente normal, de mês a mês, apresentado em sua defesa de tese de doutorado “A Evolução Neurológica do Lactente Normal”, em 1967. Foi a partir desse exame que se estabeleceram os critérios para feitura do Exame Neurológico Evolutivo (ENE) da criança pré-escolar normal, o qual, planejado a partir de 1968, a equipe do mestre publicou a pesquisa em 1972. 

Em seu memorial de 1976, para concurso de professor titular da disciplina de neurologia infantil do Departamento de Neuropsiquiatria da FMUSP, Lefèvre colocou em evidência o ENE como o mais importante trabalho realizado até aquele momento por ele e sua equipe. A repercussão desse trabalho foi relevante, tanto em nível nacional, como no exterior. A primeira edição de 3.000 exemplares esgotou-se rapidamente, e logo a seguir, foi preparada a 2a edição (pela Sarvier). A obra recebeu elogios de vários autores estrangeiros, a saber: R. Caldeyro-Barcia (Uruguai); Julio B. de Quiróz (Argentina); Eric Lenneberg (EUA); Anatole S. Dekaban (EUA); Jean Nergès (França); A. Ruttenberg (EUA); T. T. S. Ingram (Escócia); além de um sumário no Journal of Pediatrics (agosto, 1976), após apresentação deste exame na reunião anual da Sociedade Latino-Americana de Investigação Pediátrica, em 1975, por A. Diament. Baseado nesse exame, a professora dra. Newra T. Rotta, em 1975, realizou em Porto Alegre sua tese de docência-livre comparando crianças normais e com distúrbios do aprendizado. Do mesmo modo, Saul Cypel desenvolveu trabalho semelhante, aplicando o ENE em escolares de Londres, de 6 e 7 anos de idade, com ou sem distúrbios de aprendizado, durante seu estágio no Institute of Neurology – London University – tal trabalho veio a ser sua tese de livre-docência em 1983. 

Tornou-se interessante a análise do 3o memorial do mestre, quando de seu concurso para professor titular: além de historiar sua formação superior, não é demais registrar sua produção científica nos últimos 5 anos que precederam o concurso, isto é, de 1972 a 1976: 28 participações em mesas-redondas e congressos; 21 conferências proferidas a convite de várias instituições médicas; 16 comunicações a sociedades médicas e congressos; 22 publicações assim distribuídas: 2 livros; 11 trabalhos publicados em revistas médicas ou anais de congressos; 9 capítulos de livros e/ou publicações com finalidade didática; orientador de 3 teses de doutoramento em neurologia infantil, um dos quais era venezuelano e que trabalha, atualmente, na Universidade Oriental da Venezuela, em Barquisimeto. 

Foi a partir do concurso pata professor titular que nasceu a ideia do livro Neurologia Infantil. Semiologia+Clínica+Tratamento, cuja 1a edição foi lançada em outubro de 1980, durante o Congresso da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) A. B. Lefèvre e A. Diament foram os coordenadores e mais 28 colaboradores reviram e atualizaram grande parte da patologia neurológica da criança, além de terem se preocupado em mostrar os resultados dos trabalhos da linha semiológica criada pelo mestre, o que trouxe tão gratificantes frutos a ele e à sua Escola. Esse livro mereceu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, como o melhor conteúdo no setor de ciências naturais publicado entre 1980/1981, prêmio esse que o mestre não chegou a presenciar, pois veio a falecer em 20 de agosto de 1981, antes de completar 65 anos de idade. 

Lefèvre participou ainda, desde 1973, da fundação e formação da International Child Neurology Association (ICNA) – Associação Internacional de Neurologia Infantil – e da qual foi eleito duas vezes vice-presidente (1975 e 1979). Em 1978 foi eleito presidente da Sociedade Latino-Americana de Neurologia Infantil (Slani), cargo que ocupou até 1981 – quando foi homenageado em novembro, em Quito. No congresso da Slani de 1984, criou-se a Conferência Magistral “Professor Antonio B. Lefèvre”, a ser proferida em todos os congressos da sociedade, sendo que a 1a delas coube a Aron Diament proferir em Santiago, Chile, em 1987. 

Antonio Frederico Branco Lefèvre publicou 74 trabalhos em periódicos nacionais e estrangeiros, dos quais 40 como o único ou o primeiro autor, e 34 em colaboração; 20 capítulos de livros dentre os quais destaco: “Language Development in Malnourished Children”. In: Foundations of Language Development. A Multidisciplinary Approach (Lenneberg E & Lenneberg E, eds. Unesco, Academic Press, 1975, New York); Exame Neurológico Evolutivo (Sarvier, São Paulo – 2 edições); Neurologia Infantil: Semiologia + Clínica + Tratamento” em coautoria com A. Diament (Sarvier, São Paulo, 1980 e mais 28 colaboradores. Nesse livro Lefévre escreveu nove capítulos. 

Em 1979, durante o congresso da Abenepi – Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Infantil, em Salvador, realizou-se a primeira reunião dos “Discípulos de Antonio B. Lefèvre” (idealizado pelos seus ex-assistentes), com o intuito de preservar sua Escola e suas ideias, além de sua memória. 

Eis o resumo do que foi a vida de nosso mestre, dedicada ao estudo, à pesquisa e à formação de uma Escola Neuropediátrica pela qual passaram mais de 100 estagiários, dos quais cerca de 50 residentes desde 1972, quando foi criada a residência de neurologia infantil e, com um mínimo de 2 anos de formação. 

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad.Aron Judka Diament, titular e emérito da cadeira no 30 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Antonio Frederico Branco Lefèvre.

Pequenas inserções e adaptações do texto ao perfil desta secção, assim como as notas de rodapé foram feitas pelo Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.