PortugueseEnglishSpanish
Biografia

Carlos da Silva Lacaz

Carlos da Silva Lacaz nasceu aos 19 de setembro de 1915, em Guaratinguetá (SP).

Era filho de Rogério da Silva Lacaz, professor de matemática, de quem também foi aluno, e de Judith Limonge Lacaz. Esposou a senhora Dinah Maria Martins Lacaz. Em 1934, ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo feito todo o curso sempre classificado em 1º lugar. Em decorrência, conquistou como acadêmico os prêmios Rockefeller (cadeiras básicas), La Royale (curso de graduação) Medicina Legal, Paulo Montenegro e Alves Lima. Ocupou vários cargos, inclusive o de presidente do departamento científico do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz.

Era autodidata. Diplomou-se em 1940 e ingressou na carreira universitária no departamento de microbiologia e imunologia. Galgou todos os postos, sempre com distinção, assumindo a cátedra da disciplina, em 1953.

Em decorrência de sua atuação e capacidade profissional foi galardoado numerosas vezes com prêmios, medalhas e homenagens especiais, destacando-se na área de micologia a Medalha Rhoda Benham da Medical Mycological Society of the Americas; o prêmio Alfredo Jurzykowsky da Academia Nacional de Medicina; o prêmio da Fundação Rockefeller e o prêmio Lucille K. Georg da International Society for Human and Medical Mycology.

Dizia que “se nem todos podem ser gênios, todos podem ser úteis”. E ele foi agraciado por possuir uma inteligência brilhante associada a um profundo empenho em melhorar as condições de vida dos enfermos, razão de ser médico, além de inolvidáveis contribuições à ciência.

Em reconhecimento à sua pujante atividade de ensino e pesquisa, Taborda e colaboradores, em 1999, deram-lhe o raro privilégio de ver seu nome expresso na denominação Lacazia loboi, como proposta à comunidade científica internacional para um novo gênero de fungo como agente etiológico da doença de Jorge Lobo.

Lacaz foi membro de diversas entidades médicas nacionais e estrangeiras destacando-se Academia Nacional de Medicina, Academía de Medicina Del Instituto de Chile, Académie Royale des Sciences d´Outre-Mer (Bruxelas, Bélgica), American Academy of Microbiology, International Society for Human and Animal Mycology e Inter-American Society for Chemotherapy.

Foi presidente da Academia de Medicina de São Paulo (1962-1963); da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical; da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunopatologia e da Sociedade Brasileira de História da Medicina.

Lacaz foi o 3º presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (1968-1970), sucedendo e antecedendo, respectivamente a dois eminentes médicos e literatos, ambos otorrinolaringologistas, quais sejam, Paulo Mangabeira Albernaz e Octacílio de Carvalho Lopes.

Dedicou-se nas horas de lazer ao estudo da historiografia médica brasileira, publicando quatro volumes sobre Vultos da Medicina Brasileira (1953, 1961, 1966 e 1977); Médicos Brasileiros Dicionaristas (1972); Médicos Sírios e Libaneses do Passado (1982); Faculdade Medicina. Reminiscências, Tradição, Memória de Minha Escola (1985); Médicos Italianos em São Paulo. Trajetória em Busca de Uma Nova Pátria (1989) e História da Faculdade de Medicina – USP (1999).

Dizia com freqüência: “Bem-aventurados os que vivem na glória de seus feitos, no ensino dos discípulos, na seqüência dos continuadores. Que os moços saibam recordá-los com imperecível fidelidade”. Certamente ele é um bem-aventurado, pois manter-se-á vivo na lembrança e na história da medicina brasileira, visto que formou dezenas de discípulos de vários estados do Brasil, bem como oriundos da Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru e Uruguai nos campos da microbiologia, imunologia e medicina tropical, sobremodo após ter criado, em 1959, o Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, anexo à Faculdade de Medicina, contribuindo assim para o advento de melhorias em setor indispensável, se
consideradas as doenças transmissíveis abundantes no território nacional.

Carlos Lacaz cooperou também no campo da patologia tropical, no Instituto Nacional de Pesquisa do Amazonas. Integrou o corpo de peritos da Organização Mundial da Saúde em doenças infecciosas e parasitárias. Foi também professor titular do departamento de medicina tropical e dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Carlos da Silva Lacaz auxiliou direta ou indiretamente a criação de três Faculdades de Medicina, a saber: Faculdade de Medicina de Sorocaba da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Faculdade de Medicina de Jundiaí e a Faculdade de Medicina de Campinas, sendo nas duas primeiras o primeiro titular do departamento de microbiologia e imunologia.

Carlos da Silva Lacaz publicou diversos livros e monografias na área médica, destacando-se Lições de Micologia Médica, Tratado de Micologia Médica, Introdução à Geografia Médica do Brasil, Doenças Iatrogênicas, Infecções por Agentes Oportunistas, Antibióticos, Imunopatologia Tropical, Alergia nas Regiões Tropicais, O Grande Mundo dos Fungos e Candidíases.

Recebeu títulos de Professor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, Universidade Nacional Del Nordeste (Resistência, Argentina), Universidade Federal da Bahia e da Associação Médica de Israel.

Foi secretário de Higiene e Saúde do Município de São Paulo, ocasião em que criou o prestimoso Centro de Controle de Zoonoses. Lacaz foi vice-diretor por duas vezes (1963-1970 e 1978-1982) e diretor (1974-1978) da Faculdade de Medicina; diretor da Escola de Enfermagem (1979-1983) e pró-reitor da Universidade de São Paulo (1974-1978). Foi convidado para paraninfo e patrono de diversas turmas do curso médico e de áreas afins, como reconhecimento às suas qualidades didáticas.

Lacaz era contrário à iconoclastia do mundo moderno, que já galopava acentuadamente na segunda metade no século passado. Ele se destacou como um notório historiador da medicina. Não somente cultuava os valores e os protagonistas da milenar ciência de Hipócrates, como também se tornaram famosos seus cursos afins. Criou galerias e painéis enaltecendo os heróis da arte de curar.

Nessa frente de trabalho liderou a fundação, em 1977, do Museu Histórico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo seu diretor e onde se encontra vastíssimo acervo relacionado à medicina e a médicos de antanho. Em 1985, a congregação da faculdade o indicou para ocupar o cargo de diretor honorário-vitalício e, em 1993, teve a honra de ver essa instituição receber o epíteto de Museu Histórico da Faculdade de Medicina – “Professor Carlos da Silva Lacaz”, em reconhecimento à sua dedicação científica e humanística.

Carlos Lacaz exerceu por mais de quarenta anos o jornalismo médico, tendo publicado centenas de artigos na “Folha de S. Paulo” e em outros periódicos. Jamais ouvi alguém que defendesse como ele, com tanto ardor, amor e retórica, o médico e a medicina como profissão nobre, digna e sacerdotal. Seu candente humanismo e vasta cultura eram ingredientes sólidos de sua exímia capacidade oratória que encantavam e plasmavam indelevelmente a alma de seus ouvintes.

Dizia já em idade provecta: “Vi todas as agonias da carne e da alma. Todas as misérias do pobre corpo humano. Todas as suas dores. Todas as suas desagregações. Todas as suas mortes, todas as suas batalhas”. (…) “Mais de meio século tenho vivido mergulhado em uma profissão humana, augusta, bela, sacrossanta, divina, mas triste, terrível e tétrica ao mesmo tempo, pois, ela trabalha e lida com a vida e com a morte, esta sempre invencível, incombatível e triunfante”. (…) “Ao final de uma longa carreira
médica, sou daqueles que acreditam no caráter teocrático ou sacerdotal de nossa profissão. Amei generosamente o meu semelhante para melhor servi-lo
”.

Lacaz, que foi professor, diretor, escritor, humanista, editor, administrador, pensador, cientista e esteta de escol, acreditava explicitamente em Deus, mostrando que ciência e fé são compatíveis e complementares, até porque a ciência é limitada em seu mister. Carlos da Silva Lacaz era lépido no raciocínio e versátil no pensamento, exercendo e transmitindo intensamente com amor a arte hipocrática por 61 anos. Embora valorizasse a vida, tinha sempre na morte um ponto de meditação.

Lacaz tinha personalidade inquieta e movida por incansável vontade de estipular progressos. Mantinha-se constantemente ativo. Apesar de ser aposentado por força de lei, em 1985, continuou trabalhando como professor emérito até o último de seus dias na Casa de Arnaldo, a casa que sempre foi sua também.

Quando faleceu era chefe do laboratório de investigação médica do Hospital das Clínicas e do laboratório de micologia do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.

Não foi apenas um humanista teórico, mas um humano de coração. Sou testemunha de sua excelsa bondade. Tratava a todos, desde os mais humildes aos mais sábios, com o mesmo amor e dedicação. Nunca dizia não quando algo lhe era solicitado dentro de sua área.

A sua morte ocorrida em 23 de abril de 2002 trouxe uma lacuna irreparável em nossa sociedade. Com o seu passamento, a medicina brasileira perdeu um dos seus maiores patrimônios da contemporaneidade, pois ele soube, como poucos, amar a medicina como profissão sacerdotal e servir à sua precípua finalidade naqueles que padecem.

Carlos da Silva Lacaz em poucas e densas palavras expressou sua grandeza, humildade e resignação: “Lutei, venci e guardei sempre a fé em Deus, por quem serei julgado”.

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.