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Biografia

Nagib Faris Michalany

Nagib Faris Michalany nasceu em 6 de janeiro de 1884, em Beirute (Líbano), encantadora cidade de mar, montanha, areia e neve, à época, uma província autônoma do Império Otomano. Era membro de uma ilustre família de intelectuais, altamente relacionada com o governo anglo-egípcio.

Desde cedo revelou sua vocação para a medicina, ingressando no curso preparatório e, posteriormente, no de medicina, no Syrian Protestant College, hoje, American University of Beirut (Figura 1).

Graduou-se com apenas 21 anos, recebendo seu diploma em 1905, pela Faculdade de Medicina de Constantinopla, durante o sultanato de Abdul Hamid II. Além de ter se revelado um dos melhores alunos, pois recebeu vários prêmios em diversas disciplinas, era um entusiasta do esporte. Foi um excelente nadador e durante muito tempo o líder do time de futebol do colégio.

Após sua formatura partiu para Londres, a fim de se aperfeiçoar em cirurgia, estagiando durante três anos no Saint Bartholomew’s Hospital. Regressou, em 1908, ao Líbano, sendo logo depois nomeado inspetor sanitário do governo anglo-egípcio e destacado para trabalhar em Cartum, Sudão. Exerceu esse cargo durante três anos, quer permanecendo no hospital quer percorrendo a camelo ou em jumento os tórridos desertos para atender a quaisquer casos – clínicos ou cirúrgicos – desde oficiais britânicos e egípcios até soldados e aborígenes sudaneses. Experenciou tristes episódios como a morte quase instantânea de seu enfermeiro sudanês picado por um escorpião negro. Nagib Michalany viveu numa época de apogeu do Império Britânico e, por causa do relacionamento de sua família com o governo anglo-egípcio, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente ilustres personagens, entre eles Winston Churchill.

Syrian Protestant College, fundado em 3 de dezembro de 1866. Manteve esse nome até 17 de novembro de 1920, quando passou a ser chamado de American University of Beirut

Cansado do Sudão, resolveu imigrar para o Brasil, aonde chegou em 1911 e tornou-se um dos primeiros médicos de nacionalidade sírio-libanesa a exercer a profissão no país.

Nagib Faris Michalany era filiado à escola médica anglo-americana. Entretanto, desejou não apenas revalidar seu diploma, mas também conhecer a influência da escola francesa na medicina brasileira.

Segundo seu biógrafo Carlos da Silva Lacaz, “necessitando de meios para dedicar-se somente ao estudo, obteve do delegado de polícia, encarregado da fiscalização do exercício profissional, licença especial para clinicar em São Paulo, até ter um pecúlio suficiente para cuidar exclusivamente da revalidação de seu diploma. Clinicando e estudando de março de 1911 até agosto de 1912, permaneceu depois quase um ano no Rio de Janeiro, passando pelos exames de todas as cadeiras com invulgar brilhantismo.”

Regressou a São Paulo em julho de 1913 e estabeleceu seu consultório na Rua Florêncio de Abreu. Nesta capital também trabalhou no sanatório Santa Catarina como assistente do famoso cirurgião Walter Seng, com quem aprendeu ainda mais e a quem demonstrou, pela primeira vez, as técnicas cirúrgicas da escola anglo-americana, particularmente de as Murphy, Keen e Mayo.

Além de Walter Seng, manteve relações profissionais e de amizade com Antonio Cândido de Camargo, Celestino Bourroul, José Ayres Netto, João Paulo Britto, Enjolras Vampré, Antonio Carini, Zepherino do Amaral, Eduardo Monteiro, Paulino Longo e outros expoentes da medicina paulista.

Por insistência de amigos, Nagib Michalany fundou, em 1918, um hospital em Ribeirão Bonito (SP), lá permanecendo até 1920. Contudo, retornou à capital e novamente instalou um amplo consultório na mesma Rua Florêncio de Abreu, com modernos equipamentos para executar pequenas cirurgias, onde atendeu a uma numerosa clientela que o procurava dos mais distantes rincões do país. Posteriormente passou a operar no Instituto Paulista e foi um dos primeiros cirurgiões a levar sua clínica para a Casa de Saúde Santa Rita, onde permaneceu até o seu falecimento.

Durante a Revolução de 1932, tanto Nagib Faris Michalany quanto sua esposa, a italiana Victoria La Torraca, participaram intensamente da luta e ensinaram o filho, Jorge Michalany12, o amor pela terra que os hospedou. Apesar de sua participação nessa histórica epopeia paulista, Nagib Michalany teve, em 1935, a satisfação de receber do presidente Getúlio Vargas o título de Cidadão Brasileiro.

Segundo seu filho Jorge Michalany, seu pai “era um largo al factotum de medicina, capacidade essa bem traduzida na placa do seu consultório ‘Médico-Operador-Parteiro’. Mas era sobretudo um exímio cirurgião geral, que dominava todos os campos, desde a amigdalectomia até a histerectomia; ambidestro, operava com rapidez, segurança, improvisação e arrojo, sabendo, no entanto, recuar diante de um perigo inevitável. Diagnosticador dos mais argutos, valia-se até do olfato para a descoberta das doenças.”

Nagib Michalany encarnou a medicina prática geral – a de família – exercendo seu mister com grande humanismo. Embora não fosse professor não se omitia de fazer comunicações científicas à então Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Possuía apurada autocrítica e não se furtava em levar seus casos difíceis para serem discutidos e melhor esclarecidos com outros colegas.

Nagib Faris Michalany também possuía grande cultura humanística. Dominava o português, falando-o sem sotaque. Dedicou-se à literatura, particularmente a árabe e a inglesa, deixando vários ensaios que o revelavam um poeta aprimorado e de elevada inspiração. Faleceu na cidade de São Paulo em 1946, aos 62 anos.

NOTAS:

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.

Sir Winston Leonard Spencer-Churchill (1874-1965) destacou-se posteriormente como político, estadista, escritor, jornalista, orador e historiador britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a II Guerra Mundial. Ele foi primeiro-ministro por duas vezes (1940-1945 e 1951-1955). Ele é o único primeiro-ministro britânico a ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura e o primeiro Cidadão Honorário dos Estados Unidos.

Carlos da Silva Lacaz presidiu a Academia de Medicina de São Paulo num mandato anual entre 1962-1963 e é o patrono da cadeira nº 53 desse sodalício.

Antônio Cândido de Camargo presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, num mandato anual entre 1915-1916, e é o patrono da cadeira nº 66 desse sodalício.

Celestino Borroul presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, em dois mandatos anuais entre 1917-1918 e 1938-1939.

José Ayres Netto presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, em dois mandatos anuais entre 1919-1920 e 1934-1935, e é o patrono da cadeira nº 105 desse silogeu.

João Paulo da Cruz Britto é patrono da cadeira nº 27 da Academia de Medina de São Paulo.

Enjolras Vampré presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, num mandato anual entre 1921-1922 e é o patrono da cadeira nº 54 desse sodalício.

Zepherino do Amaral presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, num mandato anual entre 1932-1933.

Eduardo Monteiro presidiu a Sociedade de Medicina e Cirurgia, hoje, Academia de Medicina de São Paulo, num mandato anual entre 1945-1946.

Paulino Watt Longo é patrono da cadeira nº 85 da Academia de Medina de São Paulo.

Jorge Michalany quando contava com 15 anos trabalhou como cabo-enfermeiro na Revolução de 1932. Sob influência de seus pais, mais tarde diria: “Sou paulista, paulistano, nascido no distrito da Sé, e não admito que ninguém fale mal de São Paulo”. É membro titular e emérito da cadeira nº 6 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Nagib Faris Michalany.

A expressão “largo al factotum” pode ser traduzida por “pessoa que faz tudo ou apta a solucionar tudo”.