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Biografia

Otto Bier

Otto Guilherme Bier, mais conhecido por Otto Bier, nasceu em 26 de março de 1906, na cidade do Rio de Janeiro, onde cursou o célebre Colégio Pedro II. Ingressou em 1922 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, graduando-se em 1928. Para manter-se durante o curso, tocava violino juntamente com seu irmão que tocava piano, acompanhando os filmes mudos nos Cine-Theatros da então Avenida Central, hoje, Avenida Rio Branco na Cinelândia; na Tijuca ou em Copacabana. Como ele mesmo dizia, esse trabalho lhe rendia uns 2$000 réis por mês, importância que lhe garantia sustento. 

Nesse ambiente conviveu com músicos e compositores que se tornariam famosos, como Alfredo da Rocha Vianna, o “Pixinguinha”; seu irmão Otávio Vianna, o “China”; Benedito Lacerda, Cândido Pereira da Silva, o “Candinho”; Anacleto de Medeiros, Catulo da Paixão Cearense, Joaquim Antônio Calado e Ernesto Nazareth, que também tocava em filmes mudos. 

Otto Bier disse anos mais tarde ao professor Osvaldo Augusto Sant’Anna, pesquisador do Instituto Butantã, que “considerava ‘Pixinguinha’ um gênio e o choro representava o sentimento brasileiro.” Assim, Otto Bier em sua juventude mesclava conhecimentos, boemia e arte, mas tinha o estudo em primeiro lugar, como frisava. 

Ainda estudante, em 1925, fez o curso de aperfeiçoamento em bacteriologia e imunologia no Instituto Oswaldo Cruz com Antônio Cardoso Fontes, ocasião em que conviveu com outros grandes cientistas brasileiros, tais como Carlos Chagas, Henrique Aragão, Thales Martins e Evandro Chagas. Recebeu também grande influência de Henrique da Rocha Lima que, em 1928, viria de Manguinhos para São Paulo dirigir a Divisão de Biologia Animal do Instituto Biológico, estabelecido em 27 de dezembro de 1927 e ligado à Secretaria da Agricultura, tornar-se-ia o centro da biomedicina brasileira entre as décadas de 1930 e 1950. 

À época o diretor-geral do Instituto biológico era o professor Arthur Neiva, antigo entomologista do Instituto Oswaldo Cruz, que estava radicado há alguns anos em São Paulo, onde fora diretor do Serviço Sanitário. Os candidatos às vagas do Instituto Biológico eram escolhidos pelo próprio Arthur Neiva, dentre os melhores recrutados do país, medida endossada por Rocha Lima. O preenchimento das vagas de bacteriologista e imunologista era feito através de consulta ao Instituto Oswaldo Cruz. 

Otto Bier veio trabalhar juntamente com Adolfo Martins Penha, Celso Rodrigues e José Reis no Instituto Biológico de São Paulo a convite Genésio Pacheco, seu exprofessor, que aí organizou a Secção de Bacteriologia. Em 1934 Bier passou a dirigir o Serviço de Sorologia, transformando-se mais tarde na Secção de Imunologia. 

Em 1933, Otto Bier fez parte do grupo que fundou a Escola Paulista de Medicina (EPM), atual Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tornando-se professor catedrático de microbiologia e imunologia até o ano de 1968. Aí exerceu também importantes atividades administrativas, sendo honrado em paraninfar os formandos de 1955. 

Em 1936, por sugestão de Rocha Lima, estagiou cerca de três meses em diferentes laboratórios da Alemanha e da Suíça alemã. Posteriormente, recebeu bolsas de estudos da Fundação Guggenhein e estagiou na Universidade de Columbia (1941- 1942 e 1946-1947)3 , em Nova Iorque, no laboratório de imunologia do professor Michael Heidelberger, onde um renomado grupo de cientistas desenvolvia a imunoquímica. Aí desenvolveu estudos sobre o “complemento” e aspectos quantitativos da fixação desse sistema. 

Otto Bier trabalhou como imunologista do Instituto Biológico de 1929 a 1955, ano em que se aposentou desse renomado centro de pesquisas. 

Otto Bier foi também um dos membros fundadores, em 8 de novembro de 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), constando como um de seus conselheiros já na primeira gestão, que teve Jorge Americano como presidente, e Maurício Rocha e Silva como vice-presidente. A SBPC nasceu da liderança de cientistas paulistas e tinha como finalidade proteger as instituições de pesquisas da intervenção estatal. 

Graças à sua competência e dinamismo manteve relacionamento com renomados imunologistas do exterior. Em 1951 esteve com o professor Pierre Grabar no Instituto Pasteur de Paris. Além dos estudos sobre o “complemento”, destacou-se nos estudos sobre anafilaxia cutânea passiva. Nesse mesmo ano tornou-se um dos conselheiros do recém-criado CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 

Em 10 de agosto de 1957, Otto Bier tornou-se, juntamente com outros expoentes das ciências básicas, membro fundador da Sociedade Brasileira de Fisiologia. Foi autor de importantes contribuições em reações antígeno-anticorpo, particularmente em fixação do complemento como método de diagnóstico de doenças infecciosas. Perspicaz, percebeu nos anos de 1960, a importância que conhecimentos de imunologia teriam entre as ciências biomédicas.

Juntamente com Ivan Mota, contribuiu para a formação das primeiras gerações de imunologistas brasileiros. Criaram e organizaram o centro de formação de imunologistas onde orientaram projetos e teses de estudantes que participavam dos cursos ministrados em temas de sua especialidade. Selecionaram estudantes que se destacavam para cursos mais avançados e estágios em laboratórios no exterior. 

Com recursos obtidos pelo Programa Combinado da Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – e da Fundação Ford, desenvolveu o primeiro curso de treinamento em imunologia no Departamento de Microbiologia e Imunologia da EPM, cujos objetivos eram preparar seis novos imunologistas por ano e realizar pesquisas básicas em imunologia. 

Esse grupo foi o núcleo para o estabelecimento do Centro de Imunologia da Organização Mundial da Saúde sediado na EPM. O “WHO Immunology Research and Training Centre” foi estabelecido em 1965 e, com a integração da PAHO, em 1967, passou a ser chamado de “Pan American Health Organization (PAHO) / World Health Organization (WHO) Immunology Research and Training Centre in Brazil”

Após a aposentadoria de Otto Bier (Figura 2) na Escola Paulista de Medicina em 1969, esse curso foi transferido para o Instituto Butantan, onde foi instalado no prédio Lemos Monteiro até o encerramento de suas atividades em 1983. 

Dentre outras importantes funções que Otto Bier desempenhou salientam-se: diretor do Instituto Butantan da Secretaria de Estado da Saúde; diretor do Instituto Biológico da Secretaria de Agricultura; e coordenador dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Saúde do estado de São Paulo. 

Em 1972, durante o XXIV Congresso Anual da SBPC, Otto Bier foi juntamente com Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva, Nelson Monteiro Vaz e outros 16 imunologistas, o fundador da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI). A efeméride ocorreu em 7 de julho de 1972, nas dependências da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da Universidade de São Paulo. Otto Bier teve a honra de presidir a SBI nos dois primeiros mandatos: (1972-1977 e 1978-1980). 

Otto Bier publicou cerca de 140 artigos originais em revistas nacionais e internacionais com renomados pesquisadores brasileiros, tais como Maria Siqueira, Maurício Rocha e Silva, Genésio Pacheco, Hélcio Passos, Adenir Perini, Olga Ibañez, Nelson Planet, Maria Brasil Esteves, Reynaldo Furlanetto e Ewaldo Trapp; e estrangeiros do jaez de Michael Heidelberger, Manfred Mayer, Zoltan Ovary, Abraham Osler, Guido Biozzi e Anne Marie Staub. 

Em 1978, já aposentado, mas ainda trabalhando no Instituto Butantan, Otto Bier tomou posse na Academia de Ciências do Vaticano, apresentando como tese o artigo Immunological and Epidemiological Speculations on Leprosy, trabalho em coautoria com Osvaldo Augusto Sant’Anna e baseado no controle de imunorreceptores. 

No dizer de Osvaldo Augusto Sant’Anna, Otto Bier “era extremamente culto e, quanto à imunologia, manteve-se sempre atualizado. Muito crítico e assertivo, não escondia suas opiniões sobre fatos e pessoas, por vezes mordazes.” 

Dentre sua extensa contribuição à ciência e ao ensino, são de sua lavra as seguintes obras: Bacteriologia e Imunologia – Em Suas Aplicações à Medicina e à Higiene (1941) – livro didático destinado a estudantes, apresentando noções teóricas e exemplos práticos de imunologia –, teve 19 edições, todas revisadas por ele; Noções Básicas de Imunoterapia e Quimioterapia (1944); Imunologia Básica e Aplicada (1963, 1977, 1980 e outras edições, em colaboração com Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva e Nelson Monteiro Vaz). Em 1979 esse livro foi também editado em inglês e em alemão; e, post-moterm, Microbiologia e Imunologia (1990 e outras edições). 

Otto Guilherme Bier faleceu em 22 de novembro de 1985, com 79 anos. Seu nome é homenageado no Laboratório de Análises Clínicas Otto Bier, na cidade do Rio de Janeiro; perenizado a partir de 2008, na Biblioteca Virtual Otto Bier da Sociedade Brasileira de Imunologia, um portal contendo diversos acessos de interesse à comunidade imunológica; e é também honrado como patrono da cadeira no 104 da augusta Academia de Medicina de São Paulo.

NOTAS: 

Esta biografia é uma autoria do Acad. Helio Begliomini, Titular e Emérito da cadeira nº 21 da Academia de Medicina de São Paulo sob o patrono de Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.

O professor Rocha Lima saiu do Instituto Oswaldo Cruz para se aperfeiçoar em anatomia patológica na Alemanha. Ficou lá por 25 anos depois da notável descoberta que fez sobre o agente etiológico do tifo exantemático – a Rickettsia prowazekii, nome dado por ele em homenagem a dois pesquisadores que morreram contaminados pela Rickettsia. 

Essa bolsa foi interrompida em 1942 em decorrência da II Guerra Mundial, sendo renovada para ser completada com outros trabalhos de 1946 a 1947.