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A importância da orelha de Van Gogh, por Acad. Guido Arturo Palomba

01.02.2011 | Tertúlias

Na véspera da noite de Natal do ano de 1888 bate à porta do prostíbulo um pintor estranho que morava no mesmo bas fond em Arles (sul da França), na (hoje famosa) casa amarela, trazendo à mão uma pequena lembrança para uma das prostitutas. Certamente quem recebeu o pacote deve ter se surpreendido muito ao encontrar dentro, ensanguentado, um pedaço da orelha de Vincent Van Gogh que, com esse propósito, acabara de seccioná-la.

O prostíbulo era o número 1, da Madame Chose, ao qual fora na véspera com seu amigo Paul Gauguin. Naquela noite, Vincent disse a uma das moças que lá trabalhavam que gostaria de pintar o seu retrato, a cujo convite ela recusou e, em tom de pilheria, disse que um presente muito melhor seria uma de suas orelhas, à qual dava puxõezinhos e piparotezinhos para o divertimento e riso desbragado dos frequentadores… naquele momento.

O ato de cortar a orelha se explica pelos absintos ingeridos ininterruptamente pelo gênio Van Gogh, a gerar mais e mais inquietações àquela mente já inquieta por natureza.

Autorretrato com a Orelha Enfaixada, Vincent van Gogh, janeiro, 1889

Óleo sobre tela – 60 × 49 cm

Instituto Courtauld de Arte, Londres

À época, Vincent andava às voltas com os seus quadros e chegou a escrever ao irmão Theo que gostaria de pintar retratos, já que achava suas paisagens satura- das de tinta. Porém, encontrava inúmeras dificuldades para conseguir modelos, de modo especial prostitutas, que temiam que as pessoas fossem rir dos retratos e assim ficariam desacreditadas, ridicularizadas perante os seus clientes.

A bem ver, os retratos que Van Gogh pintava pare- ciam feios e, portanto, enfeiadas estariam as pessoas por ele retratadas. À época não foram somente os incultos que esconderam nos cantos e nos porões das casas as telas de Van Gogh, mas até pessoas aparentemente abertas para os avanços da arte o faziam. Ou seja, era difícil alguém se sujeitar ao pós-impressionismo, pois ainda imperava o clássico, há séculos.

Então, na noite em que foi ridicularizado no cabaré, quando a prostituta recusou-se a ser o seu modelo, Vincent chegou à superexitação mental. Assim, carregado de tensões e não querendo ser por elas domina- do e cair em depressão, reagiu em valente exaltação e automutilou-se, decepando um pedaço da orelha esquerda, para presenteá-la àquela que troçara de sua genialidade.

Tivesse Rachel — assim se chamava a destinatária do presente — assentido ao convite para posar, hoje estaria, certamente, imortalizada em importantíssimo quadro. Entretanto, por outro lado, não teríamos os dois lindos autorretratos pintados no dia 7 de janeiro de 1889, ou seja, cerca de 15 dias após o fato, em que Van Gogh aparece com a orelha vendada (um detalhe: no quadro é a orelha direita, imagem invertida, pois usara espelho para se retratar), nem o retrato do psiquiatra que o atendeu, Felix Rey (1867-1932).

Sobre a atitude automutiladora as pessoas da cidade de Arles não entenderam nada, e ficaram apavoradas e Van Gogh rapidamente saiu de lá e internou-se (voluntariamente) no hospício da cidade de Saint-Rémy, em uma cidadezinha próxima de Arles. Ali produziu algumas de suas mais fantásticas obras, Pátio do hospício, Enfermeiro Trabuc e a famosa Noite estrelada, em que as estrelas e a lua são cor de laranja e as pequenas pinceladas evoluíram para curvas espiraladas.

A propósito, Van Gogh era epiléptico, psicose epilética, com certeza.