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Doença de Alzheimer, por Acad. Jenner Cruz

22.07.2011 | Tertúlias

Alois Alzheimer era um neurologista da Baviera. Nasceu em 14 de junho de 1864, em Marktbreit, na
Alemanha, e faleceu aos 52 anos de idade, de insuficiência cardíaca e renal, em 19 de dezembro de 1915,
em Breslau.
O que o tornou famoso foi a apresentação do caso da senhora Auguste D., de 51 anos de idade, em
um congresso científico, em novembro de 1906. Essa senhora era sua paciente desde 1901, quando foi
trazida ao seu consultório por apresentar graves problemas da memória e suspeitas infundadas de que o
seu esposo não lhe era fiel. Conforme a evolução do quadro, passou a apresentar dificuldade de falar e
entender o que ouvia. Embora fosse jovem, seus sintomas pioraram rapidamente; teve a necessidade de
permanecer acamada e veio a falecer na primavera de 1906.
Alois conseguiu permissão da família para fazer uma necrópsia, pois julgava ser esse mal uma doença
ainda desconhecida. Nesse cérebro, ele encontrou um encolhimento dramático, especialmente no córtex,
na camada externa relacionada à memória, ao pensamento, ao julgamento e à fala. Ao microscó­pio, ele
viu depósitos de gordura espalhados dentro e ao redor de pequenos vasos sanguíneos e neurônios
mortos ou em deterioração. Seus estudos foram publicados em 1907, e, em 1910, Emil Kraepelin propôs
que se desse o nome de doença de Alzheimer a essa enfermidade, uma forma atípica de demência senil,
quando descreveu a demência de perseguição ou presbiofrenia.
Há muitos anos, os médicos sabiam que, conforme envelhecemos, o nosso cérebro diminui de
tamanho e vamos perdendo a memória recente, embora, em geral, continuemos a conservar a memória
antiga. É o que se denomina amnésia anterógrada.
Quando recebemos uma informação que queremos guardar, essa memória fica em nosso cérebro,
disponível para uso, por poucos minutos, antes de ser totalmente esquecida. Parece que essa memória
inicial é estocada em circuitos formados transitoriamente por neurônios presentes no hipotálamo, e ela
pode se transformar em memória de longo prazo, a qual pode durar décadas. O mecanismo responsável
por essa transformação ainda é pouco conhecido, devendo envolver modificações físicas dos neurônios
do hipotálamo. Esse processo, chamado de consolidação, pode levar dias.
Em descoberta recente, foi verificado que, pelo menos em ratos, uma maior concentração de um
hormônio no hipotálamo, fator de crescimento semelhante à insulina 2 (IGF-2), é necessária para que
essa consolidação ocorra. Esses estudos poderão provocar o aparecimento de drogas para serem
utilizadas no tratamento de várias doenças que dificultam a consolidação das memórias.
Muitas vezes recebemos uma informação sem prestar atenção nela e, nesse caso, pode ser que ela não
fique armazenada nem por poucos minutos. Em contrapartida, no caso de alguns idosos, mesmo
prestando atenção, eles não conseguem reter, às vezes nem sequer entender, a maior parte do que está
sendo dito.
Em um editorial publicado em novembro de 1957, um grande pesquisador americano, Harry
Goldblatt, escreveu que o que se prova para ratos é válido para ratos, o que se prova para cães é válido
para cães e o que se prova para homens é válido para homens. Completando, eu lembraria que nem a
Estatística nem a Biologia são ciências exatas, e mesmo o que é válido para o homem não é válido para
todos os homens, por mais extensa e mais completa que for essa pesquisa.
Muitas vezes receitamos um remédio para um doente e ele retorna dizendo não poder tomá-lo, pois
tem cefaleia quando o faz. Sabemos que nem na bula, nem no melhor livro de Farmacologia está
descrito esse efeito colateral, mas temos o dever de acreditar no paciente, por mais hipocondríaco que
julgarmos que ele seja.
Quando jovens, minha esposa e eu tomávamos conta de cerca de vinte pacientes no então Grupo de
Moléstias Renais e Hipertensivas da 1ª Clínica Médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo. Um dos quartos da enfermaria, com três leitos, pertencia à
Alergia e Imunologia. Um dia, internaram um novo paciente no leito que pertencia a eles, e o alergista,
Dr. Julio Crocce, informou que ele era portador de alergia a anti-histamínicos. Se não me engano, alergia
a Fenergan®. Após o nosso espanto, ele falou que eles também tinham um paciente alérgico a
corticosteroides. Não o perguntamos, nem ele disse qual era esse corticoide.
O nosso cérebro é alimentado por uma das redes de vasos sanguíneos mais ricas do corpo humano,
tendo cerca de 100 bilhões de células nervosas ou neurônios, que possuem ramificações que se
conectam em mais de 100 trilhões de pontos. Essa rede, densa e ramificada, é denominada “floresta de
neurônios”.
A doença de Alzheimer começa cedo, em pacientes geralmente com menos de 60 anos de idade,
sendo condicionada pela presença de um dos quatro genes diferentes localizados nos cromossomos: 21,
14, 1 e 19. Ela é causada por uma mutação do gene da proteína precursora da substância amiloide. Por
esse motivo, essa substância se deposita em vasos cerebrais, causando uma forma de amiloidose cerebral
incomum.
Portanto, a doença que Alzheimer descreveu é uma enfermidade rara e hereditária, que pode afetar os
pacientes no início da terceira idade.
A amiloidose compreende um grupo heterogêneo de doenças que possuem em comum um depósito
extracelular de uma substância proteica, fibrilar, em vários órgãos e tecidos. Essas substâncias,
denominadas amiloides, são várias e diferentes entre si. A substância amiloide decorrente de uma
infecção crônica de longa duração, como tuberculose, mal de Hansen — nome atual da lepra — ou
osteomielite, é diferente da substância amiloide do Alzheimer. A primeira é denominada AA, e a
segunda, Aβ.
Os neurologistas admitem atualmente cinco formas de demência irreversível.
Demência é uma síndrome caracterizada por múltiplos déficits cognitivos adquiridos, em geral
acompanhados de alterações comportamentais, que causam prejuízo funcional significativo.
As cinco formas de demência são: doença de Alzheimer, demência vascular, demência dos
corpúsculos de Lewy, demência da doença de Parkinson e demência frontoparietal ou de Pick.
A demência vascular seria decorrente de doenças oclusivas dos vasos cerebrais maiores ou menores
ou da carótida, acarretando diferentes tipos de infartos cerebrais, que hoje podem ser facilmente
evidenciáveis por meio de diagnóstico por imagem.
A primeira confusão foi que ela também seria mais comum em pessoas mais jovens, dos 30 aos 50
anos de idade, seria hereditária por uma mutação do mesmo cromossoma 19 e também seria
acompanhada de deposição de β-amiloide nos vasos cerebrais.
A doença de Alzheimer foi dividida em três grupos: grave, quando ocorre em indivíduos mais jovens
e evolui rapidamente para a morte por si só; moderada e leve, quando ocorre em indivíduos muito
idosos, evolui lentamente, por até mais de 20 anos, e não é obrigatoriamente a causa do óbito.
Não há um exame laboratorial, em vida, capaz de diferenciar a doença de Alzheimer da arteriosclerose
senil, e, atualmente, resolveu-se chamar de doença de Alzheimer toda demência senil, com o que eu não
concordo. A demência vascular ficou reservada para aqueles que tiveram um acidente vascular cerebral que
resultou em formas atípicas semelhantes à doença de Alzheimer.
De acordo com a minha experiência, a doença de Alzheimer é uma entidade nosológica rara,
enquanto a ateroarteriosclerose senil é comum em idosos, mormente após os 80 anos de idade,
sobretudo em portadores de diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemia.
Talvez a demência senil também tenha um componente hereditário, mas o fato é que um portador de
perda de memória senil, exceto quando permanece internado em um asilo, na companhia de colegas em
estado pior do que o dele, dificilmente perde totalmente a memória. Acompanhado em casa, com
pessoas que ele estima e pelas quais é querido, ele pode se esquecer de inúmeras coisas, não reconhecer
um parente que ele não vê frequentemente, mas é capaz de continuar realizando, por conta própria, a
maior parte de sua rotina diária, como trocar de roupa, comer e conversar.
Na arteriosclerose senil comum discreta, também conhecida como esquecimento benigno do idoso,
pode-se fazer uma decisão errada ocasionalmente, pode-se esquecer uma data importante, que dia é hoje
— e lembrar-se depois —, qual palavra usar, onde se colocou determinado objeto — mas lembrar-se
depois. Isso também pode ocorrer com os jovens, embora em menor número de vezes.
Um idoso, ao chegar em casa, distraído, suado após se expôr ao sol intenso da tarde, procura a sua
poltrona favorita para ler o jornal do dia. Como é míope, apesar da vista cansada, está acostumado a ler
o jornal sem os óculos, os quais tirou ao entrar. No fim da leitura, onde estão? Apesar de poder
reconstruir todo caminho percorrido, não consegue achá-lo. Como está sem os óculos, tem dificuldade
em encontrá-los, pois eles estão colocados em cima de uma mesa da mesma cor.
Às vezes, estamos conversando ao telefone e esquecemos o nome daquele com quem estamos
falando; na nossa cabeça, vem o retrato perfeito dessa pessoa, mas não o seu nome. É como se, no
nosso cérebro, o nosso arquivo de nomes estivesse embaralhado, e o encarregado de encontrar o nome
daquela pessoa demorasse muito para fazê-lo. Demora um pouco, mas ele finalmente o encontra. Já
estamos ocupados com outro pensamento ou em outra atividade, e o nome procurado surge
inesperadamente, para nossa alegria.
Finalmente, temos um paciente idoso que pouco a pouco vai ficando esquecido. Ao mesmo tempo,
suas condições físicas pioram, e ele vai diminuindo de tamanho e ficando cada vez mais desligado do
ambiente à sua volta, cada vez mais dependente. Para todos, médicos e conhecidos, ele está com doença
de Alzheimer, mas será que a degeneração de seu cérebro foi acompanhada da deposição da substância
amiloide Aβ? Será que ele não sofreu uma mutação na idade avançada?
São perguntas para as quais ainda não temos uma resposta convincente.