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Emílio Ribas, por Acad. Nelson Guimarães Proença

14.12.2011 | Tertúlias

Parte do discurso escrito e proferido quando da posse da cadeira 27 da Academia de Letras de Campos do Jordão, em 24 de setembro de 2011.


Emílio Marcondes Ribas nasceu em Pindamonhangaba, no dia 11 de abril de 1862, na fazenda de seu avô materno, Manoel Ribeiro do Amaral, o Manduca Machado. Era filho de Candido Marcondes Ribas e Andradina M. Machado Ribas. As famílias de seus pais tinham condição econômico-social confortável, embora não fizessem parte dos “Barões do Café”. Recorde-se que, ao se iniciar a segunda metade do Sé­culo XIX, o maior polo de cultura cafeeira do Brasil situava-se exatamente no Vale do Rio Paraíba, estendo-se à zona produtora pelas Províncias de São Paulo e Rio de Janeiro. As grandes fortunas geradas pela exportação do café permitiram que fossem construídas magníficas propriedades rurais, até hoje preservadas, verdadeiros monumentos que marcaram para sempre essa época de prestígio do Vale do Paraíba.
Criado em ambiente rural e convivendo com o dia a dia de uma propriedade onde era feita a criação de gado, Emílio Ribas desde cedo mostrou grande interesse sobre o adoecimento e morte de animais. Seus familiares compreenderam que sua vocação não era a vida de proprietário rural, mas sim que estava voltada para a prática da Medicina. Em 1882, aos 20 anos de idade, mudou para a Capital do Império, buscando vaga na Faculdade (Imperial) de Medicina do Rio de Janeiro. Formou-se em novembro de 1887. A defesa — obrigatória — de Tese de Doutorado, ocorreu logo a seguir, em fevereiro de 1888, ficando então apto para exercer a Medicina.
Retornou à Pindamonhangaba, iniciando aqui sua carreira profissional. Solteiro, bem-apessoado, foi disputado pelas moças casadoiras de sua cidade. Na descrição de um contemporâneo, “… tinha rosto de linhas severas e benfeitas, olhos ligeiramente amendoados, lembrando vagamente um mongol, vasto bigode e cavanhaque, sempre bem cuidados”. Casou-se com Maria Carolina Bulcão, Mariquinha, com que compartilhou o restante de sua vida.
Logo após o casamento mudou-se para Santa Rita do Passa Quatro, região de Ribeirão Preto, onde permaneceu por poucos meses. Na época, os trilhos das estradas de ferro se estendiam mais e mais para o Interior, integrando ao Estado incontáveis cidades, ainda dispersas. Neste cenário, aceitou ser médico consultante da Companhia de Estradas de Ferro, mudando sua base de ação para Tatuí em 1889, ano da Proclamação da República. A propósito, seus biógrafos indicam que foi um dos fundadores do Clube Republicano de Pindamonhangaba.
Sua dedicação à Medicina começa a ganhar novo eixo, nos anos seguintes, quando surge uma sucessão de graves epidemias, durante as quais atuou em Rio Claro, Araraquara, Pirassununga, Jaú. E nomeado Inspetor Sanitário, cargo que assume em setembro de 1895. Desdobrava-se no atendimento aos doentes, mas não se conformava com a pouca atenção dada às medidas que poderiam prevenir as doenças.
E a partir desse ano de 1895 que toma nova dimensão sua verdadeira vocação, a de higienista. Envolve-se profundamente com o atendimento resultante das epidemias de febre amarela, que se espalhavam por todo o Estado. Emílio Ribas está convencido da existência de transmissores, intermediários na passagem da infecção, do indivíduo doente para o são. Sua atenção está toda voltada para a possibilidade de serem os mosquitos, os transmissores, mas ninguém assim pensa. Não obstante, é nessa ocasião que Ribas toma conhecimento dos trabalhos de Carlos Juan Finger, em La Habana, Cuba, que tinha exatamente
o mesmo ponto de vista. A teoria do mosquito-transmissor, defendida por Finlay, justificou o envio de uma Comissão de médicos norte-americanos que, em 1901 e 1902, esteve em Cuba para acompanhar seus trabalhos. Havia pouca simpatia pelas ideias de Finlay, sendo proposto que fosse formado um numeroso grupo de voluntários, dispostos a serem picados, experimentalmente, por mosquitos que previamente haviam picado pacientes de febre amarela. No grupo submetido à experiência
houve numerosos casos da doença e até mesmo várias mortes. O episódio passou para a história da Medicina como o “Relatório da Comissão Finlay”, cujo conteúdo iria permitir que se iniciasse a guerra contra o mosquito transmissor. Apesar de convincente, havia mais incréus do que crentes, e o Relatório chegou a ser motivo de zombarias, nos Estados Unidos.
Emílio Ribas não teve dúvidas. Convoca seu amigo Adolpho Lutz para acompanhar seus trabalhos e inicia importante campanha de combate ao mosquito, em Ribeirão Preto, no ano de 1902. Consegue extinguir a doença. Foi ainda mais longe.
Em 1903 forma um grupo, ele com outras três pessoas, dentre as quais o próprio Lutz. Fecham um setor do Hospital do Isolamento e ali permanecem a partir de 9 de janeiro de 1903, recebendo picadas de mosquitos que haviam previamente se fartado com sangue de um paciente terminal de febre amarela. Não apenas este grupo, mas também um segundo foi formado, estendendo-se a observação até 10 de maio daquele ano. Todos manifestam os sintomas da doença, com intensidade variável e inclusive um com a forma grave, mas felizmente todos se recuperam.
No mesmo ano e no mesmo mês — abril de 1903 —, Oswaldo Gonçalves Cruz assume a Diretoria da Saúde Pública do Rio de Janeiro e inicia enorme campanha contra os mosquitos, a qual causou grande ruído, pelas resistências que ocorreram. De qualquer modo, a campanha acabou por ser bem-sucedida e a doença foi erradicada. Em 8 de março de 1907, Oswaldo Cruz oficiou ao Presidente Rodrigues Alves: “… a febre amarela já não mais devasta sob a forma epidêmica a Capital da República”.
Curiosidade a ser destacada: apesar da precedência das atitudes e dos experimentos feitos por Emílio Ribas, quem passou para a História da Medicina, como o mentor destas campanhas, foi Oswaldo Cruz.
Como Diretor da Saúde Pública, para o Estado de São Paulo, Emílio Ribas teve outras oportunidades de mostrar seu talento de administrador na área da Medicina Preventiva. Vejamos alguns exemplos.
o combate à peste bubônica no Porto de Santos (1899) e em São Luiz do Maranhão em 1904;
a introdução da produção de vacinas e de soros imunes, através da criação do Instituto Butantan (grafia da época); as campanhas de vacinação em massa contra varíola; a criação de um sistema de hospitais especializados para atendimento aos pacientes com lepra (hoje hansenianos), dentro do modelo de “Asilos-Colônias”.
Na parte final de sua extraordinária carreira, empenhou-se para que Campos do Jordão viesse a se tornar a Estância Climática ideal para o tratamento da tuberculose pulmonar. Conhecedor das dificuldades de acesso às montanhas da Mantiqueira, lutou, juntamente com o médico Victor Godinho, para que fosse construída a Estrada de Ferro Pindamonhangaba-Campos do Jordão. Esta história está magistralmente narrada no livro “História da Estrada de Ferro Campos do Jordão”, de autoria do consagrado Historiador Pedro Paulo Filho.
“Os caminhos a Campos do Jordão eram inóspitos. Nas trilhas se utilizavam banguês, liteiras e o transporte a cavalo. Montaram (Ribas e Godinho) a ‘S. A. Estrada de Ferro Campos do Jordão’. Para construí­-la contrataram Sebastião de Oliveira Damas, um português especializado em construção de vias férreas. A eclosão da Primeira Guerra Mundial, no entanto, levou os construtores à derrocada financeira. Foi graças ao Conselheiro Antonio Rodrigues Alves, proprietário em Campos do Jordão, que seu irmão Francisco de Paula Rodrigues Alves, Presidente do Estado de São Paulo, encampou a ferrovia em
construção.” A inauguração se deu em 1914.
Vivemos tempos, hoje, em que a frivolidade e a superficialidade se tornaram regras, neste absurdo e inconsequente culto midiático às celebridades do dia. Cabe, então, recordar a frase proferida em discurso, por Emílio Ribas:
“A vida pessoal de um cientista não interessa. O que vale é a obra que deixa.”
Emílio Ribas faleceu em 19 de dezembro de 1925, aos 63 anos de idade.


Bibliografia
BRANDÃO, José Luis. Os homens que mudaram a humanidade: Emílio Ribas. São Paulo: Três, 1975. 136 p.
PAULO FILHO, Pedro. História da Estrada de Ferro de Campos do Jordão. São Paulo: Noovha América, 2008. 224 p.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Saúde. No transcurso do Cinquentenário da Morte de Emílio Ribas. Coletânea de Depoimentos e Documentos Originais. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1975.