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José de Almeida Camargo – O semeador de grandezas, por Acad. Guido Arturo Palomba

18.10.2011 | Tertúlias

Um dos mais ilustres médicos das primeiras décadas do século passado morreu muito precocemente. Nasceu em 1º de outubro de 1903 e faleceu em 11 de abril de 1937. Foram 34 anos incompletos, em cujo curto período de existência terrena plantou preciosas sementes – hoje árvores frutíferas, as mais frondosas do país.
Médico da Casa de Arnaldo, foi um dos próceres da Revolução Constitucionalista de 1932, havendo participado das primeiras reuniões preparatórias, entre elas, a que resultou no famoso Manifesto de Outubro, fecundado em 24 de fevereiro de 1932, no salão do jornal A Razão, à Rua José Bonifácio, em São Paulo, que acolheu reunião dos intelectuais paulistas, com a finalidade de criar uma organização para estabelecer orientação política segura, em face do caos que se instalara no Brasil após a Revolução de 1930. Compareceram à reunião Ataliba Nogueira, Cândido Motta Filho, Mario Graciotti, Alpino Lopes Casale, José Maria Machado, Francisco Stela, Gabriel Vendromi de Barros, Mario Zaroni, Fernando Callage, Iracy Igayara, Carvalho Pinto, Sebastião Pagano, Arlindo Veiga dos Santos, João de Oliveira Filho, James Alvim, Fausto Campos, Eduardo Rossi, Dutra da Silva, José de Almeida Camargo e outros. Liderada por Plínio Salgado, aí nascera a Liga Pró-Constituinte, o embrião do maior movimento de massas do Brasil republicano, a introduzir a Revolução Constitucionalista de 1932.
Em 12 de março de 1932, reuniram-se novamente no Salão de Armas do Clube Português de São Paulo, quando ocorreu a Assembleia de Fundação da Sociedade de Estudos Políticos (S.E.P.), com mais de uma centena de pessoas presentes, entre elas, José de Almeida Camargo. Na ocasião, criaram um manifesto, com os nove princípios constitucionalistas, que são os seguintes: Somos pela unidade da nação.
Somos pela expressão de todas as suas forças produtoras no Estado. Somos pela implantação do princípio da autoridade, desde que ele traduza forças reais e diretas dos agentes da produção material, intelectual e da expressão moral do nosso povo. Somos pela consulta das tradições históricas e das circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distinguem nosso país. Somos por um programa de coordenação de todas as classes produtoras. Somos por um ideal de justiça humana, que realize o máximo de aproveitamento dos meios de produção, em benefício de todos, sem atentar contra o princípio da propriedade, ferido tanto pelo socialismo como pelo democratismo, nas expressões que aquele dá à coletividade, e, este, ao indivíduo. Somos contrários a toda tirania exercida pelo Estado contra o indivíduo e as suas projeções morais; somos contra a tirania dos indivíduos contra a ação do Estado e os superiores interesses da nação. Somos contrários a todas as doutrinas que pretendem criar privilégios de raças, de classes, de indivíduos, grupos financeiros ou partidários, mantenedores de oligarquias econômicas ou políticas. Somos pela afirmação do pensamento político brasileiro baseado nas realidades da terra, nas circunstâncias do mundo contemporâneo, nas superiores finalidades do Homem e no aproveitamento das conquistas científicas e técnicas do nosso século.
Porém, em 3 de outubro de 1932, terminava a Revolução Constitucionalista, com a derrota de São Paulo. Quatro dias depois, o Manifesto é impresso às escondidas, em uma sala da Secretaria de Segurança Pública, na mesa de trabalho de Eurico Guedes de Araújo. Nela, Plínio Salgado endereçou, pessoalmente, centenas de envelopes, nos quais o Manifesto era remetido a todo o país. A distribuição na cidade de São Paulo coube aos membros da S.E.P., entre eles, José de Almeida Camargo. (Eis a razão pela qual o documento da fundação do Integralismo, criado em março, veio a se chamar Manifesto de Outubro.)
Plantar sementes fazia parte da vida do médico José de Almeida Camargo. Formou-se na Faculdade de Medicina de São Paulo e, na década de 1930, foi um dos idealizadores e fundadores da Associação dos Antigos Alunos da Faculdade de Medicina, hoje em pleno vigor. Amante da literatura, dominava línguas estrangeiras, entre elas, o inglês. Assim lhe foi possível traduzir a obra de rara abrangência, que se tornou um dos livros campões de venda, o famoso Conhece-te pela psicanálise (How to psycho-analyse yourself), de Joseph Ralph, 1932, editado pela Editora José Olympio. Aliás, o editor era seu amigo, e vale a pena lembrar que, nas primeiras décadas do século XX, o Brasil era um dos mais destacados países a
acolher, divulgar e lapidar a doutrina de Sigmund Freud, o pai da psicanálise. Porém, como ainda eram ideias relativamente novas, todas as traduções nessa área exigiam altos dotes intelectuais do tradutor.
José de Almeida Camargo era filho de Laudo Ferreira de Camargo (1881-1963), que foi presidente do Supremo Tribunal Federal, e de Noêmia Marques de Almeida (1881-1957), que, juntos, tiveram sete filhos.
Registra-se que na Associação Paulista de Medicina (APM) há um prêmio de cultura geral, chamado Prêmio José de Almeida Camargo, porque o ilustre médico, semeador de grandezas, foi um dos criadores da APM, em 1930, e o seu primeiro Diretor Cultural.
Seu nome também brilha na Academia de Medicina de São Paulo, centenária e mais antiga instituição médica paulista, como Patrono da cadeira 106, que será ocupada por Francisco Domenici Neto, recentemente eleito Membro Titular.
Poucos brasileiros morreram tão precocemente e participaram, como líderes, de tantos importantes momentos da vida sociopoliticocultural de São Paulo e do país. Talvez por isso a Câmara Municipal de São Paulo fez por bem nomear uma rua da capital com o seu nome. Justa homenagem ao grande médico.