PortugueseEnglishSpanish
Notícias

O instinto do poder na noite dos pesadelos, por Acad. Guido Arturo Palomba

01.03.2010 | Tertúlias

Dedicado a Ives Gandra da Silva Martins, que publicou Uma breve teoria do poder (Revista dos Tribunais, 2009), de cuja obra extraiu-se preciosos ensinamentos, fontes estimuladoras deste artigo.

Os instintos fazem parte do homem: são peças complexas de seu motor, que se movimenta no meio social e, nele, é constantemente “carburado”.

Existe um instinto primordial, que é o de preservação. Dele derivam todos os outros, por exemplo, o sexual (para reprodução e preservação da espécie); o gregário (no con- junto está a força); o de alimentação (sem comer, morre); o religioso (permanência após a morte); e o instinto de poder (quem vence permanece).

Os instintos encontram-se no orgânico do indivíduo (são filoontogênicos), e todas as manifestações instintivas, por mais simples que sejam, têm sua representação no psiquis- mo (consequentemente no comportamento), e todas as manifestações mentais, por mais elaboradas e complexas que sejam, têm a sua participação no orgânico, sede dos instintos. Assim, esse conjunto uno e composto por duas substâncias diferentes (a orgânica e a mental), pela educação vai adquirindo freios, os quais são a capacidade de crítica e os valores éticos e morais que cada indivíduo, em separado, forma, conforme o seu orgânico e as suas circunstâncias.

Isso quer dizer que, no ser humano civilizado, o instin- to primordial (de preservação), transmudado em instinto de alimentação, sexual, gregário, religioso, poder etc., flui convenientemente quando o indivíduo comporta-se bem no meio em que vive. Quando não, surgem as condutas bizarras, cada qual inerente à forma anormal do funciona- mento instintivo, seja por deformação inata (do instinto), seja por efeito da educação errada ou insuficiente. Quando o instinto sexual não está em ordem, ocorrem as parafilias (bestialismo, sadomasoquismo, pedofilia, homossexualismo etc.). Quando a deformidade é no instinto gregário, ocorrem, por exemplo, os ensimesmamentos; quando está deformado o de alimentação, aparecem as bulimias; quando o religioso, o fanatismo. E quando a deformação é do instinto de poder, ocorrem a vaidade e o autoritarismo. Sobre esse instinto, vamos nos deter um pouco mais.

É certo que todos os homens desejam ser felizes. E há uma fórmula para atingir esse ideal: fazer o bem que a felicidade vem por acréscimo. Assim é que o bem comum e o espíri- to de serviço – ou seja, servir ao próximo – deveriam ser paradigmas para o instinto de poder do homem civilizado, uma vez que por esse caminho atingiria a felicidade. Mas essa conduta é menos frequente: há muito mais déspotas, tiranetes e ambiciosos do que estadistas e benfeitores.

As deformidades do instinto do poder costumam ser graves, pois as consequências são coletivas, ao passo que as outras deformações instintivas produzem catástrofes individuais.

A necessidade de poder, deformada, gera o indivíduo que quer dominar, e o pior resultado da deformação é o déspota prepotente, vaidoso, que manipula as pessoas, aplica a demagogia, vai à guerra para se impor pela força bruta, usa do suborno como moeda de troca, promete e não cumpre.

A bem ver, esse condutopata quer satisfazer a sua vaidade para sublimar a própria inferioridade intelectual. Por ser intelectualmente é fraco, vê os seus adversários como inimigos, não como pessoas com opiniões divergentes. Muitas vezes, por um período de tempo, logram sucesso no sentido de aceitação, pois é certo que em torno desses indivíduos penduram-se bajuladores, “amigos do rei”, que, incompetentes para disputar o poder por si sós, aos chefes se achegam para “usufruir das batatas”.

Quanto mais alto o posto do chefe, mais aderentes são atraídos e não há nação, estado, município, associação cultural, científica, artística e universitária que esteja imune aos chefes virulentos e seus governos, tal como todos os corpos viventes estão sujeitos a doenças e infecções. Felizmente, quando é assim, mais cedo ou mais tarde o processo supura, com maior ou menor sofrimento, com cicatrizes temporárias ou permanentes, que vão ter na história, no capítulo da noite dos pesadelos, escrito pelo tempo.