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Professor ou tutor?, por Acad. Arary da Cruz Tiriba

17.06.2011 | Tertúlias

Catedrático imponente, superior, soberbo, de longínqua verticalidade, a perder de vista pelo
discípulo? Nada disso: um igual. Sempre manteve estreito contato com o alunado. Pensava que o
entrosamento favorecia, com naturalidade, a incorporação da humanização no futuro exercício do
clínico. Assim, além de afirmar a aproximação, modelava o caráter profissional do jovem,
paralelamente ao ensino da clínica. Se problemas pessoais atingiam o discípulo, o Mestre virava ator
na busca da solução. Jamais se arrependeu por manter esse vínculo.


Certa vez, tratou-se da estagiária, a qual cursava o 4º ano de Medicina pela Universidade LatinoAmericana. Fina, bem educada, debruçada ao leito dos enfermos. Porém, muito reservada.
Informação confidencial de parceira em aprendizado avançado: moça procedente de país pobre, de família numerosa, tradicional, cujo chefe — agropecuarista de recursos —, inflexível, não aceitava transgressão ao respeito paterno; a jovem conheceu um estudante de Medicina, originário do Nordeste brasileiro — refugiado político —, que escolhera o país latino-americano vizinho para ser esquecido na terra natal.


Paixão à primeira vista! Rapaz de classe social elevada, mas militante universitário de esquerda,
marcado pela polícia política para ser “apagado”, ao tempo do regime dos generais. O pai do moço,
autoridade nomeada, conseguiu trazê-lo de volta ao Brasil e, melhor ainda, transferi-lo para a
universidade paulistana, na expectativa de que, no novo ambiente, as atividades partidárias do filho
fossem postas de lado, deixando-o a salvo da repressão governamental. Assim foi feito, porém…
Em franco desafio ao regime patriarcal, a universitária fugiu para juntar-se ao eleito, em São Paulo.
No lar paterno, era selada a sentença da estudante: Portas fechadas! Não mais integrante da família!
Menção de seu nome sob proibição!


E foi assim que a formosa latino-americana de voz suave e semblante triste foi interpretada pelo
Mestre.


Sua entrada em cena. Palestra científica agendada na Sociedade Médica da capital do país latinoamericano em questão. Compromisso cumprido, em sequência, solicitou encontro com os pais da
proscrita. Ambiente sóbrio, sem vislumbre de sorriso. Ouvidores imperturbáveis — analistas —,
sob irredutível mudez!


Qualificou-se, então, o Mestre. Mentor de jovens estudantes, ocasionalmente tutor temporário;
sim, substituto dos pais! Pediu permissão para comentar a questão delicada que não lhe dizia
respeito; caso fosse aceita, prosseguiria; se rejeitada, agradeceria a hospitalidade e retirar-se-ia de
volta ao Brasil. Obtido o aval, o Professor redesenhou a imagem da egressa, sua estagiária.
Conduta, dedicação, frequência, desempenho, lembrança constante do lar paterno… Mas algo a distinguia, a personalidade… Determinativa! Definitória! Nada comum entre acadêmicos. Parecia, ao Mestre, advinda… de herança!


— Arriscaria dizer-lhes [fala do Professor aos genitores] que, entre seus numerosos herdeiros,
quem mais se iguala ao caráter paterno… é su hija — futura médica —, eleitora de profissão exigente
de decisões unipessoais, por vezes imediatas, radicais…