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Saúde, Ética, Aborto, Coerência e Conselho Federal de Medicina, por Acad. Helio Begliomini

13.05.2013 | Tertúlias

“Um dos predicados do sofista é ser um arguto eufêmico.”

Foi uma grande surpresa para mim, para milhares de médicos e milhões de cidadãos brasileiros a recente e infausta declaração do Conselho Federal de Medicina (CFM) a favor do direito da mulher interromper sua gravidez (entenda-se: abortar, aniquilar uma vida, matar…) até o terceiro mês de gestação, época em que o feto está totalmente formado.
Numa intrometida ação, querendo talvez tomar uma posição aparentemente de vanguarda a favor do direito das mulheres de eliminar seus próprios filhos em gestação, os quais não podem ser meramente confundidos como seus apêndices, penduricalhos ou sucatas biológicas! – quistos ou não quistos, mas insofismavelmente filhos! – tergiversou incoerentemente do direito deles de ter suas vidas protegidas.
Particularmente num momento em que a sociedade brasileira e a coletividade médica têm se chocado com denúncias de que uma de suas representantes, a dra. Virgínia Soares, chefe da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Evangélico de Curitiba (pasme-se “Evangélico!”), deliberadamente, “limpava” leitos provocando ou favorecendo a morte de um sem-números de pacientes, a manifestação em questão do CFM quer, numa penada, abonar e fautorizar a eliminação de milhões de seres humanos em seus primórdios.

Ninguém esperava essa inconveniente declaração do CFM. Ao contrário, o que a imensa maioria dos cidadãos brasileiros e de seus médicos almejaria, certamente, é que o órgão máximo que deve ser o bastião da saúde, da ética e da vida humana viesse a público e se posicionasse a favor da vida humana, defendendo-a escrupulosamente, particularmente naqueles momentos onde ela se mostra mais vulnerável: em suas etapas iniciais, intra e extraútero; na debilidade da senectude, e nas variegadas doenças existentes.

Torna-se um sofisma hilário a explicitação do dr. Roberto Luiz d’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina sobre a declaração: “É importante esclarecer que os conselhos de medicina não afirmaram ser favoráveis ao aborto, mas sim à autonomia da mulher e do médico em casos de exceção”. Ademais, destacou que “é propício que o aborto seja mantido como crime no Código Penal, mas, por outro lado, também defende a ampliação dos casos em que a interrupção da gravidez pode ser praticada legalmente como exceção”; ou ainda, “espera que o aborto não seja descriminalizado, mas serão criadas ‘causas excludentes da ilicitude’, ou seja, exceções em que a interrupção da gestação não configurará como crime”.

Entendendo o que foi dito, poder-se-ia dizer que “somos – ‘CFM’, próceres e simpatizantes – contrários ao homicídio, mas lhe daremos armas, legalidade, membros de nossa divina grei e condições de praticá-lo – sob determinados e ampliados critérios – caso sua liberdade de consciência assim o deseje”.
A propósito, liberdade de consciência e respeito à opinião alheia não são premissas sem limites, pois esbarram irretorquivelmente no direito e no respeito à vida de outrem. E a célula ovo, o embrião, o feto, o recém-nascido, a criança, o adolescente, o jovem, o adulto, o velho e o moribundo constituem-se fases de uma mesma, única, irrepetível, irretrocedível e irrepartível (indivisível) vida humana!


A teimosia é uma das três pilastras do sofista. As outras duas são sua prepotência pela carência de humildade, e um espírito pobre de mente obnubilada que não permite ser arejada pela brisa da verdade.
A manifestação do CFM por mais angelical que tenha sido em seu propósito à sociedade e à Comissão de Revisão do Código Penal Brasileiro, foi, sob os holofotes da imprensa, peremptoriamente um tiro no próprio pé, desacreditando a egrégia instituição e decepcionando milhões de pessoas e, particularmente, a maior parte dos médicos.
Doravante a quem tributar confiança na defesa da melhoria da saúde, da prática de uma ética escorreita e de um seguro exercício profissional se, a quem deve ser seus guardiões máximos escorregam fragorosamente em milenares princípios!?

Não se pode ignorar que a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 1º, afirma que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana; e, no seu artigo 5o , garante a inviolabilidade do direito à vida.
A medicina desde prístinas eras surgiu para o alívio e a cura de condições mórbidas do ser humano. É clássico o aforismo latino “morbos arcere, aegrotos sanare, dolores lenire” – “evitar as doenças, curar os doentes, aliviar as dores”. Inexistem medicina, saúde e ética sem que exista o ser humano e, claramente, a vida que nele se manifesta. Jamais haverá medicina sem o convívio com a dor naquele que sofre, ainda que a medicina – do presente e do futuro – se dirija para o lado preventivo das doenças.
Quaisquer que sejam as ações contrárias à vida humana, são, coerentemente, contrárias à essência do lídimo mister hipocrático, ainda que haja fatores atenuantes. Em outras palavras, conspirar contra a vida humana, particularmente em momentos de maior fragilidade, é conspirar contra a medicina, contra a ética e contra a própria razão.
Parece que boa parte de nossos dirigentes médicos tem esquecido noções elementares de embriologia, genética e obstetrícia (será que foram ou são pais… avós!?), além de não estar sentido há tempo o cheiro dos pacientes. Dessa forma correm o risco de se tornarem opinantes e legisladores de gabinete.
Já com oito semanas de gestação o feto, além de possuir braços, pernas, olhos, nariz, boca, orgãos internos e coração que funciona, exibe impressões digitais que o tornam único dentre os humanos. Nessa ocasião ele possui de 3,1 a 4,2 centímetros e pesa apenas 5 gramas!!!
Aborto por quaisquer que sejam as técnicas empregadas pelos seus verdugos – infelizmente, bacharéis em medicina! – jamais foi considerado terapia na prática médica. Desde os tempos imemoriais de Hipócrates (375 e 351 a.C.) estão consignados estes dentre outros preceitos que ficaram conhecidos como seu Juramento: “(…) Seguirei o regime que for mais benéfico para os doentes, segundo minhas luzes e meu critério, abstendo-me de todo mal e injustiça. Não administrarei veneno a quem quer que me peça, nem tomarei a iniciativa de sugerir seu uso; da mesma forma, não darei a mulher alguma pessário abortivo. (…)”. A declaração do CFM vem a lume, paradoxalmente, num momento onde o próprio CFM e outras entidades de classe tentam resgatar a prática do humanismo na profissão e assim
melhorar a imagem do facultativo perante a população. Ora, como ser humano na medicina sem se ter amor pelo semelhante!? Como se ter amor se não se tem compaixão!? Como se ter compaixão sem se ter respeito!? Como se ter respeito se se permite atentar contra a vida humana, fulcro basilar da medicina e patrimônio maior do planeta Terra!?
Não resta dúvida de que a declaração do Conselho Federal de Medicina foi indevida, inoportuna e infelizmente anti-hipocrática, destoando acintosamente de toda uma história de lutas e de conquistas dessa ilustre entidade pelo melhor exercício profissional possível. Em tempos de preparação para a Copa do Mundo de 2014 pode-se asseverar que ela foi um triste gol contra a medicina e o exercício profissional, que poderia muito bem ser evitado!