Valores primeiro, interesses depois, por Acad. Nelson Guimarães Proença
Cabe-me, de início, agradecer ao Acadêmico Gabriel Kwak a lembrança de meu nome para compor o quadro desta Academia. Estendendo esse agradecimento, desde logo, a todos aqueles que, generosamente, acolheram a sugestão e sufragaram meu nome. A partir de hoje, acumulo mais esta responsabilidade, a de bem representar a Academia de Letras de Campos do Jordão.
Para mim, está claro que só posso desempenhar a contento tal responsabilidade se bem compreender qual o significado mais profundo, qual o cerne, da Academia. E é exatamente para melhor compreender o significado que deve ter, para mim, esta investidura que vou pedir licença para dar asas à imaginação, abrindo, um tanto mais, o horizonte de nosso pensamento. Convido os presentes a que me acompanhem em um pequeno voo, na busca da essência de nosso objetivo comum.
Para estabelecer um parâmetro que nos sirva para fazer uma comparação, convido todos a refletirem, por um momento, sobre o instante em que surge uma Nação.
Como pensam, como agem, os fundadores de uma Nação?
Quando pessoas se reúnem com esse objetivo, buscando criar consenso sobre os fundamentos que irão alicerçar a Nação, necessariamente terão de decidir por uma entre duas alternativas. Ou se agrupam em torno de valores, ou se agrupam em torno de interesses comuns. Destaque-se que valores são permanentes; interesses são transitórios. Ao decidir sobre o texto legal que vai ser adotado — no caso, a Constituição —, essa alternativa se torna evidente. Caso ela tenha por base valores que são compartilhados, seu texto será enxuto e duradouro. Caso represente apenas uma tentativa de conciliar variados interesses — materiais — que existem na Sociedade, ela será prolixa e transitória.
Aí está: valores são permanentes. Vejam-se, por exemplo, os valores representados pelos Mandamentos da Lei de Deus, ditados a Moisés. Atravessaram os milênios e continuam, até hoje, alicerçando a conduta da civilização judaico-cristã. Já os interesses — ora os interesses — são absolutamente transitórios. Em curto tempo, o que ontem era, hoje deixa de ser. Novos interesses tornam superado o acordo anteriormente feito e que estava expresso na Constituição adotada. Conclusão: um País, fundamentado apenas na conciliação de interesses, vive em crise permanente, sendo obrigado a rever sua Constituição em períodos historicamente muito curtos. É isso exatamente o que acontece no Brasil! Claro que é, pois, em pouco mais de um século, já tivemos cinco diferentes Constituições! E um ex-Presidente tem
insistido na necessidade de adotarmos uma nova Constituição, que reflita melhor os atuais interesses em jogo, pois a de 1988 já está ultrapassada!
Ao adotar essa linha de pensamento, passo a refletir sobre minha participação, ao lado de meus pares, nesta Academia de Letras. Estamos aqui reunidos em torno de valores permanentes. Valores ligados à cultura de nosso povo, de nosso País. E, como parte dessa cultura — e isso me parece essencial —, incentivar o bom uso de nossa língua. Não é demasiado acentuar que nos cabe contribuir, de modo efetivo, para que seja preservada. E, para bem desempenhar essa missão, é mister reconhecer que temos pela frente um grande desafio.
Trata-se da submissão de grande parte de nossa juventude ao poder da mídia, sobretudo da Internet e da televisão.
Não cabe discutir a importância da universalização das comunicações. É fato irreversível. Mas há de se reconhecer que está surgindo uma universalização “pasteurizada” da cultura, como foi muito bem destacado por Luis Fernando Veríssimo, em crônica publicada no jornal O Estado de S. Paulo (em 29/9/2011): “estamos servindo a uma república transnacional da banalidade”.
Não é bom que ocorra a perda do hábito da boa leitura, tornando hoje pouco conhecidos escritores que honram a literatura nacional. A perda desse hábito leva como consequência — em termos de brasilidade — a aculturação da juventude, tornando-a desconhecedora daquilo que é nosso e que deve ser preservado.
E o que temos de preservar são valores. Acima de tudo, valores!
Julgo que uma das principais tarefas da Academia é exatamente esta: estimular o interesse dos jovens por nossa língua e por nossas tradições culturais. Vamos concordar com eles que é importante acolher o novo e desenvolver aptidões para utilizar essas novas e extraordinárias ferramentas de trabalho, mas vamos, também, dar ênfase ao mérito do patrimônio cultural de nossa gente.
Assumo hoje a Cadeira de número 27, que tem como patrono o inesquecível sanitarista Emílio Ribas e, como sucessores, as importantes figuras de Paulo da Silveira Santos e Israel Dias Novais. Espero que possa estar à altura de tão
ilustres antecessores.